CP15 – Gênero e Sexualidade

Coordenação

Marcela Amaral (UFG)
Regimeire O. Maciel (UFABC)

O Comitê de Pesquisa (CP) Gênero e Sexualidades é o desdobramento do conjunto de trabalhos de investigação apresentados nos Congressos da Sociedade Brasileira de Sociologia ao longo dos últimos 15 anos, nos Grupos de Trabalho Violência, corpo e sexualidades: estudos feministas de gênero e/ou raça (2017 e 2019) e Corporalidades, sexualidades e transgressões (2015, 2013, 2011, 2009, 2007 e 2005). Reconhecendo a relevância do debate sobre gênero, sexualidades e feminismos no campo da pesquisa sociológica, bem como sua centralidade no contexto planetário e da sociedade brasileira contemporânea, é que se constitui este Comitê, com o objetivo de acolher comunicações de pesquisa e relatos de trabalhos e experiências de ensino e extensão, que alcancem, principalmente, os seguintes eixos temáticos: a) metodologias e epistemologias feministas; b) movimentos feministas, de mulheres e LGTBTQI+; c) gênero e diferenças na educação; d) políticas públicas voltadas à prevenção e ao enfrentamento da violência contra mulheres e LGBTQI+; e) aplicação da Lei Maria da Penha; f) discriminação de corporalidades, racismo e lgbtfobia e outras opressões interseccionais; g) usos sociais do corpo, culturas, identidades e diferenças relacionadas à gênero, sexualidade e raça; h) direitos reprodutivos e violência obstétrica.

A consolidação dos referidos Grupos de Trabalho em Comitê de Pesquisa é também o reflexo das contribuições dos estudos de gênero, sexualidades e feminismos ao campo disciplinar da Sociologia brasileira e internacional, reverberando tanto na produção de conhecimento acadêmico como também subsidiando a formulação de políticas públicas. Os estudos de gênero articulados às teorias feministas, produziram um importante deslocamento epistemológico no que se refere ao modo de pensar a modernidade e o conhecimento científico de um modo geral. As concepções dualistas da ciência moderna orientaram explicações binárias, sejam a respeito de princípios, doutrinas, dogmas, teorias etc., que estabilizaram, por meio da linguagem ou da imagem, significados. As separações entre manual e intelectual, concreto e abstrato, emocional e racional, profano e sagrado, entre tantas outras práticas dualistas, que recorrem à essas dicotomizações, foram empiricamente falseadas. No entanto, como sugere Sandra Harding (1993, p. 26), elas “permanecem estruturando nossas vidas e nossas consciências” e, por isso, serão acolhidos estudos que se dediquem às questões teórico-metodológicas que sustentam as epistemes. Uma episteme feminista leva em consideração a contingência e a historicidade de fenômenos.

O reconhecimento do quão diversos são os movimentos feministas e de mulheres é parte do que orienta a perspectiva teórica, política e metodológica deste Comitê, resguardando-se, do mesmo modo, os mecanismos de resistência e enfrentamento à violência, ao assédio, ao machismo e demais opressões que recaem sobre as mulheres, em diferentes contextos sociais. Os movimentos feministas e de mulheres, assim como o de LGBTQI+, têm produzido repertórios que apontam para a urgência de formulação e implementação de políticas públicas de prevenção e enfrentamento das violências. Neste sentido, investigações e relatos de experiência/intervenção que contemplem este debate, em direção à promoção e à defesa dos direitos humanos e de princípios democráticos, sejam oriundos de pesquisa acadêmica ou de ativismos e de organizações coletivas, representam os interesses deste Comitê.

Entendemos que o atual cenário político brasileiro e internacional é permeado por tensões advindas de grupos conservadores e antidemocráticos que atuam em oposição à garantia de direitos humanos e à continuidade das políticas que resguardam minimamente o enfrentamento às violências e atos discriminatórios. Vê-se, por exemplo, o que ocorre com a Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340 de 2006), um dispositivo que se constitui como um marco fundamental no enfrentamento da violência doméstica contra mulher há mais de uma década e que, ainda hoje, lida com os entraves para sua aplicação. Interessa a este Comitê trabalhos que abordem a heterogeneidade das situações configuradas como violência doméstica, observando-se os marcadores sociais das experiências, a exemplo de classe, raça, sexualidade e territorialidade.

O pensamento crítico feminista reposicionou o corpo no contexto da prática política e na sua produção teórica, inclusive sistematizando a área dos estudos de gênero nas Ciências Sociais de maneira inovadora e propositiva. Porém, considerando a diversidade das formas de violência persistentes, seja a violência doméstica e intrafamiliar no contexto das relações afetivo-sexuais, seja a violência sexual ou psicológica que ameaça a todas as mulheres em variados contextos, faz-se necessário destacar que há um traço comum entre elas: sua incidência no corpo, de modo direto por lesões e morte, ou indireto por meio de psicossomatizações e impactos físicos de médio e longo prazo. O corpo feminino se constrói como um território de violência que ultrapassa a sua materialidade estética, biológica, sexual e cidadã, alcançando o que tem de mais íntimo no âmbito das subjetividades e identidades pessoal e coletiva. Seja nas representações fílmicas e midiáticas da atualidade, seja nas representações artísticas e literárias antigas, as mulheres vêm sendo constantemente associadas à submissão violenta, ao abuso, à luxúria e ao pecado, traços característicos de expressões da misoginia que ainda prepondera sobre as mulheres.

A referência ao feminino enquanto profano e perigoso se mostra evidente nos modos em que foram construídas as sexualidades das mulheres. Os discursos sobre gênero e sexualidades comumente se relacionam com a ideia do que é ser homem ou ser mulher, assim como ao que é ser branca ou negra, rica ou pobre, entre outros marcadores sociais. A forma pela qual se concretiza a violência transfóbica ou lesbofóbica é um exemplo do quanto as marcas da generificação, quando “dissonantes” do sexo anatômico, são corporificadas e tornadas abjetas pela violência. Por isso, além dos traços de gênero expressos corporalmente, suas imbricações com as diferenças diacrítica de raça, classe, etnia, geração, etc são essenciais para que se possa reconhecer as diferentes experiências de corporalidades e performances, assim como as implicações destas com a materialização da violência sobre seus corpos.

Ao longo de sua trajetória, a SBS tem abrigado debates e investigações de extrema importância e de vanguarda sobre as violências na sociedade brasileira, sem se furtar de acolher as questões relacionadas ao enfrentamento das violências contra as mulheres, LGBTQI+ , seus corpos e suas sexualidades. O diálogo fecundo entre sociólogas/os afeitas/os ao desenvolvimento do pensamento social e os recortes temáticos acima referenciados, bem como a perspectiva teórico-epistemológica feminista, têm contribuído significativamente para o avanço das Ciências Sociais e Humanas como um todo, além de favorecer o alinhamento da Sociologia nacional com produções acadêmicas de reconhecido valor na América Latina e em outros continentes. Desse modo, o presente Comitê certamente representa a continuidade e o fortalecimento das ações já estabelecidas em torno da temática de gênero e sexualidades nos GTs que o antecedem, mantendo o compromisso com a produção e a valorização do conhecimento científico e do pensamento sociológico na construção de uma sociedade democrática, plural e justa.

Apoiadores

Alessandra Teixeira (UFABC)
Ana Paula Martins (UNB)
Cléa Aguiar Leite (PPGSOL/UNB)
Cristian Paiva (UFC)
Daliana Antônio (UNIMONTES)
Edilza Sotero (UFBA)
Fernanda Santos (PPGSOL/UNB)
Flávia Rios (UFF)
Lourdes Bandeira (UNB)
Luciane Soares (UENF)
Luiz Mello (UFG)
Marcela Amaral (UFG)
Mônica Conrado (UFPA)
Regimeire Maciel (UFABC)
Rossana Marinho (UFPI)
Tânia Mara (UNB)
Ticiana Osvald Ramos (UFRB)

Comitês de Pesquisa