Violeta Refkalefsky Loureiro

Por Edila Moura (UFPA)

Acompanho a trajetória profissional da Professora Violeta Refkalefsky Loureiro, inicialmente, como sua aluna no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA) e como bolsista de pesquisa no Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico do Estado do Pará-IDESP, onde ela foi pesquisadora. Posteriormente, como sua colega no departamento de Metodologia das Ciências Sociais, hoje extinto, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – o IFCH, da UFPA; e, ultimamente, como docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia-PPGSA também desta universidade. Esse convívio, de mais de cinquenta anos, me possibilita desenvolver esse texto, em um misto de admiração e agradecimento.

Violeta é graduada em Ciências Sociais pela UFPA (1969), fez mestrado em Sociologia na Unicamp (1985), doutorado no Institut des Hautes Études de l`Amérique Latine, (IHEAL), em Paris, França (1994), pós-doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal (2006). No conjunto de suas atividades profissionais destaca-se sua contribuição para o desenvolvimento da sociologia no estado do Pará e na Amazônia. Feitos que foram reconhecidos com o título de Professora Emérita, concedido pela UFPA, em 2015 e, em 2021, o Prêmio Florestan Fernandes, pela Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), homenagens que se agregaram a outros prêmios que lhe foram concedidos ao longo dos anos, em grande parte, por sua atuação em defesa da educação pública e de qualidade.

A defesa da educação, pública e de qualidade pode-se dizer que é um dos dispositivos sociais desenvolvidos em seu convívio familiar, em especial, pela determinação de sua mãe, uma intelectual autodidata apaixonada por literatura, que investiu na educação dos filhos como sua mais obsessiva missão. Na casa, a biblioteca farta em obras literárias, era o lugar compartilhado pelos pais e seus cinco filhos. Aos 10 anos, Violeta declamava versos de Castro Alves e era conhecedora de detalhes da Revolução Francesa.

Seus pais, judeus austríacos, fugindo da Europa com a ascensão do nazismo, ainda antes da Segunda Guerra Mundial, migraram para a Amazônia, optando por uma região de pouca acessibilidade, temerosos da perseguição. O local escolhido foi o então Território Federal do Rio Branco, hoje Estado de Roraima, à época com menos de 10 mil habitantes. Fizeram seu lar na cidade de Boa Vista, onde Violeta nasceu em 1944, que, apesar do status de capital, era uma remota cidadezinha, com ruas em chão batido, estendida à margem de um rio de águas claras, salpicado de praias de areias alvas – o Rio Branco. Assentada num platô, pelo alto a cidade é cercada de colinas e, abaixo do platô, pela floresta amazônica. Uma cidadezinha pacífica e encantadora, àquela época, com a mobilidade de seus moradores limitada aos trânsitos fluviais e aéreos, com muitas restrições. Pelo rio, o percurso era restrito pois as três cachoeiras na descida do platô interceptavam a navegação dos barcos no trecho até Manaus, capital do estado do Amazonas, centro urbano com maior oferta de serviços nas “proximidades”. Pela via área, apenas os aviões da Força Aérea Brasileira – FAB e, uma única companhia de aviação, a extinta Cruzeiro do Sul, faziam viagens semanais ligando Boa Vista à Manaus e, de lá, conectando-se com o resto do Brasil. Poucas pessoas da cidade saíam dela até o final de suas vidas.

O acesso à escolarização formal era reduzido a quatro anos do curso primário e quatro do curso ginasial, como denominados àquela época. Mediante essa limitação, quando seu irmão mais velho concluiu o ginasial aos 14 anos, sua mãe decidiu que ele e Violeta, com 10 anos, iriam dar continuidade aos estudos na cidade do Rio de Janeiro. Ele residindo em um pensionato, ela com tios até os 13 anos quando passou também a morar em um pensionato de freiras. A primeira viagem, assim como as que se seguiram anualmente nos períodos de férias na cidade natal, foram feitas sob responsabilidade da FAB em percursos que chegavam a durar uma semana, em cada trecho. Sobrevoando a floresta amazônica a baixas alturas, parando nas pequenas cidades e povoados, Violeta foi se assenhorando da grandiosidade da floresta amazônica e da diversidade cultural de seus habitantes. Esse despertar consolida-se futuramente como seu principal objeto de estudo acadêmico como também em seus posicionamentos políticos em defesa da socio diversidade amazônica.

Violeta, assim como seu irmão, correspondeu aos investimentos e expectativas familiares, dando sequência à sua formação universitária, agora já na cidade de Belém, Pará, para onde veio em busca de trabalho para manter seus estudos universitários. Torna-se economicamente ativa como professora de escola primária e a docência passa a ser sua mais contínua atividade. Ingressa na UFPA por concurso público pela Faculdade de Filosofia, na disciplina Economia, e aqui vivenciou a inusitada situação de ter que se submeter três vezes a concursos públicos, exigências das diversas reformas administrativas do ensino superior no país. Além de professora, teve experiências como funcionária do Banco da Amazônia, exerceu cargos públicos na área da política educacional, foi diretora de instituto de pesquisa. Destaco a seguir, as contribuições que julgo mais relevantes no conjunto de sua obra.

Violeta tem sido uma permanente defensora do ensino público e de qualidade da Sociologia no ensino médio, como o alicerce para a formação crítica do pensamento social a partir da população jovem. Devemos a ela a introdução da Sociologia e da Filosofia como disciplinas obrigatórias do ensino médio, no Pará, em 1997. Quando, em 2008, foi criada a lei 11.684, com essa obrigatoriedade em nível nacional, o estado do Pará já a havia implantado há 11 anos. Antes, em 1989, ela conseguiu a inclusão da disciplina Estudos Amazônicos no ensino fundamental da rede pública do estado do Pará. Conquistas que estão permanentemente ameaçadas pelas mudanças nas políticas educacionais, mas que contaram sempre com a voz ativa e continuada por parte da pesquisadora.

Em sua atuação como pesquisadora e, principalmente, quando ocupou o cargo de presidente do já citado IDESP, criou possibilidades para o reconhecimento da importância das pesquisas sociais para as ações do planejamento, abrindo oportunidades de trabalho para muitos cientistas sociais, mas, sobretudo, inserindo as ciências sociais como ferramenta para o planejamento e desenho das políticas públicas no Estado. O IDESP se destacou de forma pioneira na realização de pesquisas sobre os 143 municípios do Pará, construindo o 1º zoneamento econômico-ecológico do Estado, quando não existiam imagens de satélite disponíveis; ainda, com a produção de indicadores econômicos e sociais de qualidade, incluindo pesquisas mensais sobre custo de vida, emprego e desemprego, dentre outras. Esse Instituto perdeu seu vigor dada a prevalência de políticas de Estado de cunho neoliberal.

Sua dedicação ao ensino e à pesquisa sobre a Amazônia resultou na produção de livros de referência sobre as condições de vida e de trabalho e suas relações com a natureza nessa região. Quatro desses livros são direcionados aos estudantes de ensino médio, fato inédito. Seus estudos evidenciam os desastres dos modelos desenvolvimentistas impostos à região em diversos momentos da história. Dentre esses, destaca-se Amazônia no século XXI, novas formas de desenvolvimento, publicado em 2009, resultado de seu estágio pós-doutoral na Universidade de Coimbra, e prefaciado por seu orientador, Boaventura dos Santos.

Tantos feitos em sua trajetória de vida profissional, tantas contribuições para a ciência e para o ensino. Violeta é também uma amiga generosa, com compromissos verdadeiros, com muitos exemplos de louvor à vida e ao amor familiar.

As sementes de mogno, andiroba, copaíba, que distribuía lançando do avião Douglas C-47 da FAB, sobrevoando a Amazônia em direção ao Rio de Janeiro, podem ter contribuído para o reflorestamento da Amazônia, tão fortemente devastada. De certo, as sementes do seu trabalho intelectual e político já frutificaram abundantemente.

Sugestões de obras da autora:

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia – colônia do Brasil, Manaus, Ed. Valer-Manaus, 2022.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia – Estado, homem, natureza. 4ª ed. Belém: Cultural Brasil, 2019.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. A pesquisa nas ciências sociais e no direito. Belém: UFPA/NAEA/Cultural Brasil, 2018.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. A Amazônia no Século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Empório do Livro, 2009.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Os parceiros do mar. Belém: CNPq/MPEG,1985.