Sônia Guimarães

Por Sandro Ruduit Garcia (UFRGS)

A notável contribuição de Sônia Guimarães à Sociologia fez-lhe merecer o honroso Prêmio Florestan Fernandes, da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).

Sônia nasceu em Porto Alegre, aos 18 de fevereiro de 1944. Realizou o Curso Ginasial e o Curso Normal no Instituto de Educação General Flores da Cunha, uma escola pública estadual de referência em Porto Alegre que lhe instigou o cuidado com a língua portuguesa. No início da agitada década de 1960, decide prestar provas de seleção para o recém-criado curso de Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da então Universidade do Rio Grande do Sul (URGS). Realiza a graduação entre 1965 e 1968. Essa escolha ocorre no momento em que a Faculdade de Filosofia, situada em campus no Centro Histórico de Porto Alegre, reunia os jovens estudantes da URGS e do entorno, inclusive do vizinho Instituto de Educação, em um vibrante conjunto de atividades políticas e culturais em que Chico Buarque era uma das preferências.

A jovem egressa assume, em 1973, a posição de professora auxiliar em Métodos e Técnicas de Pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (que fora federalizada em 1968), sendo aprovada em concurso público alguns anos depois junto como uma nova geração de docentes no Departamento de Ciências Sociais. Uma passagem como pesquisadora pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, antes de ingressar na docência na UFRGS, despertou-lhe o interesse pela pesquisa empírica, na área de demografia, referenciando-se em especial em Durkheim para a investigação e o ensino sobre mudanças demográficas da população gaúcha. Note-se que a pesquisa não era uma prática afirmada entre docentes do curso nesse período. Prossegue sua formação com o mestrado em sociologia na California State University, com a oportunidade de uma bolsa Fulbright. Em seguida, ingressa no doutorado em sociologia que foi realizado na London School of Economics and Political Science (LSE), concluído em 1986, dessa vez com suporte de uma bolsa da CAPES. Nos estudos de pós-graduação, acompanha os debates, que marcam o período, sobre o Estado e as ideologias populistas na transformação de estruturas sociais dependentes (a tese trata do Governo Vargas), recorrendo às leituras das obras de Fernando Henrique Cardoso, Ralph Milliband, Ernest Laclau, Louis Althusser, entre outros, e aprofundando conhecimentos de análise de discursos tão marcada pelo estruturalismo e pós-estruturalismo.

Sônia tem um percurso intelectual em torno da prospecção das forças sociais e políticas capazes de impulsionar a transformação social no Brasil, sem guardar fidelidade a autores e a teorias. Depois de concluir o doutorado, passa a prestar a atenção em outras forças consideradas potencialmente transformadoras: as classes de profissionais de educação superior e sua organização em movimentos sindicais das classes médias, especialmente de engenheiros. Havia testemunhado a ascensão desse fenômeno na Inglaterra, assim como se aproximado da obra de Weber, de Anthony Giddens e de Alain Touraine. Investe no conhecimento da autonomia dos sujeitos de classe, de movimentos sociais e sindicais nas sociedades pós-industriais. Estuda também a experiência do orçamento participativo recém-implantado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Nos anos 1990, a Sociologia do Trabalho torna-se alvo de seu interesse científico, dedicando-se à investigação das mudanças nos setores de serviços relacionadas à reestruturação produtiva. Registra a novidade da introdução das tecnologias de automação bancária e seus impactos nas qualificações dos trabalhadores e nas relações e condições de trabalho. Analisa ainda as respostas de diferentes sindicatos de bancários à automação. Depois, acompanha as implicações para as relações de trabalho decorrentes dos processos de privatização-desregulamentação-liberalização-digitalização no setor de telecomunicações que tiveram enorme repercussão do debate público da época. As estratégias sindicais, em resposta às mudanças no trabalho em telecomunicações, integram também esse conjunto de interesses de investigação. Manuel Castells e sua teoria da era da informação tornam-se balizas para o avanço dessa linha de pesquisas. No período entre 2001 e 2002, realiza estágio de pós-doutorado no Massachussetts Institute of Technology (MIT), com bolsa CAPES, aprofundando estudos sobre os sindicatos de telecomunicações em redes de atuação em âmbito global.

Ao final dos anos 2000, desloca sua atenção para o estudo do empreendedorismo em setores intensivos em conhecimento no país, acionando abordagens da Sociologia Econômica. Os objetos de pesquisa passam a ser expressões do paradigma de desenvolvimento informacional, como o suporte das universidades ao empreendedorismo e a internacionalização de pequenas empresas de alta tecnologia, em meio aos quadros institucionais do país.

Esse percurso de análise das forças de transformação social – apelo das ideologias populistas, classes médias escolarizadas, novas tecnologias no trabalho e empreendedorismo high tech – combina-se com valores acadêmicos que marcam sua prática docente. O rigor com o texto, com a precisão conceitual e com as fontes empíricas dificilmente lhe escapa. O ensinamento é que o cuidado com a linguagem permite a sofisticação do argumento, aproximando-o de alguma verdade. Ao mesmo tempo, a agenda é intelectualmente engajada com as questões pertinentes ao debate público de cada período do país, sem aderir à militância nessa ou naquela grei política, em favor da autonomia crítica do Sociólogo. Assim, tem formado gerações de pesquisadores e professores, seja orientando trabalhos de pesquisa (da iniciação científica ao doutorado), seja em seminários de sociologia clássica, de pesquisa social, de sociologia do trabalho, de sociologia econômica e de sociologia do desenvolvimento. É defensora entusiasmada dos programas de bolsas de iniciação científica e dos projetos integrados de pesquisa no treinamento de jovens pesquisadores.

Outra expressão de suas contribuições é o compromisso com a construção institucional da Sociologia. Teve participação ativa nas diferentes fases de constituição, afirmação e internacionalização do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS. Esteve nas diretorias da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS). No CNPq, foi membro do Comitê de Assessoramento de área e do Conselho Deliberativo. Como uma construtora de “pontes acadêmicas”, foi pesquisadora visitante em diversas universidades estrangeiras, destacando-se University of London (Inglaterra), Universidade de Coimbra (Portugal), Cornell University (Estados Unidos), University of Pensylvania (Estados Unidos) e Brown University (Estados Unidos).

Sônia Guimarães aposentou-se no ano de 2013, como Professora Titular do Departamento de Sociologia da UFRGS, prosseguindo como docente convidada do PPG Sociologia com Bolsa de Produtividade em Pesquisa na Categoria Sênior do CNPq.. Tem se dedicado à leitura de filosofia, em especial a obra de Nietzsche, mas lamenta não conseguir ler tudo o que lhe interessa. A digitalização, uma das principais forças de transformação social, é o tópico de seu interesse de pesquisa.
Quando perguntada sobre a longevidade de sua carreira, responde: “é o amor pela ciência”.

Sugestões de obras da autora:

GUIMARÃES, Sônia M. K.. Empreendedorismo intensivo em conhecimento no Brasil. Cadernos CRH, v. 24, p. 575-592, 2011.

GUIMARÃES, Sônia M. K.. Reestruturação das telecomunicações e o desafio aos sindicatos: Brasil numa perspectiva internacional. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, Brasil., v. 18, n.52, p. 81-106, 2003.

GUIMARÃES, Sônia M. K.. Reestruturação produtiva e qualificação nos anos 90. Aspectos do contexto internacional no setor de serviços.. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, São Paulo, v. 12, n.33, p. 35-47, 1997.

GUIMARÃES, Sônia M. K.. Classes Médias e Movimento Sindical: o caso dos profissionais de nível superior no Rio Grande do Sul. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 5, n.1, p. 64-71, 1991.

GUIMARÃES, Sônia M. K.. Classes e Movimentos Sociais na América Latina. São Paulo: Hucitec, 1990.