Sérgio França Adorno de Abreu

Por Vitor Blotta (ECA-USP e NEV-USP)

Sérgio Adorno é o segundo de seis filhos de mãe descendente de italianos de classe média, e de pai de família de trabalhadores agrícolas que migrou do interior para a capital. Nascido na cidade de São Paulo em 18 de abril de 1952, com família interessada em leitura e que frequentava cinemas e teatros na cidade, Sérgio cresceu em um ambiente favorável para os estudos. Cursou o primário numa escola privada, os primeiros anos do ensino médio no Ginásio Estadual de Santana, bairro onde morou na infância, e finalizou o “curso clássico” no Colégio Estadual Dr. Octávio Mendes, também em Santana.

Seu interesse pelas Humanidades veio do curso clássico, onde já tivera contato com autores como Celso Furtado, Caio Prado e Hobsbawm, e excelentes cursos de História e Literatura. Apesar da inclinação da família para que cursasse Direito, e mesmo dele por causa dos trabalhos do pai e da avó como cartorários, resolveu que faria Ciências Sociais.

Em 1971 iniciou sua graduação na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, inicialmente no período vespertino e em seguida no noturno, pois passou em concurso para trabalhar como fiscal de tributos (ISS) no Departamento de Rendas Mobiliárias da Prefeitura. Lecionou também por um semestre em curso preparatório para o vestibular, mas sua renda principal, inteiramente voltada para o apoio de sua família, advinha do trabalho na Prefeitura.

Os anos em que cursou Ciências Sociais foram de grande efervescência política, mas também de auge da repressão de Estado, com as consequências do AI-5. Reverberavam no Brasil importantes movimentos como maio de 68 em Paris e a primavera de Praga, enquanto que em São Paulo, a batalha da Rua Maria Antônia. Junto aos colegas vivia em constante insegurança por medo de agentes infiltrados, mas não deixou de ir a passeatas e a participar das grandes conferências e debates sobre questões de política econômica e do autoritarismo vigente na ditadura civil-militar, com nomes como Octavio Ianni, Francisco Weffort, Paul Singer e Leôncio Martins Rodrigues. Não participou, contudo, do movimento estudantil e nem de partidos políticos, talvez pelo conservadorismo de casa, e porque tinha que trabalhar, como confessou em entrevista de 2012 ao CPDoc da FGV

Seu interesse por pesquisa começou durante a graduação, quando realizou estudo na disciplina Trabalho e Marginalidade de Lucio Kowarick sobre condições de egressos do sistema penitenciário. Formou no período um grupo regular de leituras de autores como Goffman, Foucault, Arendt, o que lhe rendeu maior base intelectual. Chegou a fazer um ano de licenciatura, mas assim que se formou foi convidado para trabalhar no então Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo, o IMESC, onde organizou um programa de investigações junto a colegas de diferentes áreas. Essa experiência lhe deu repertório para em seguida entrar na pós-graduação para fazer Doutorado direto sob supervisão do Professor Gabriel Cohn.

Sua tese de doutorado, defendida em 1984 e lançada em 1988 pela Editora Paz e Terra como Os Aprendizes do Poder: o Bacharelismo Liberal na Política Brasileira (com segunda edição publicada pela Edusp em 2019), é hoje considerada um clássico da sociologia política brasileira. A inspiração de Adorno para o estudo da formação dos intelectuais brasileiros no séc. XIX a partir das relações entre bacharelismo, liberalismo e patrimonialismo, derivou tanto da admiração quase litúrgica que sua família tinha em relação ao Direito, quanto de seu desejo de compreender quem era o intelectual brasileiro, como era formada sua cultura, e quais eram suas relações com o poder durante o Império.

Foi a partir dos estudos para Aprendizes do Poder, muito inspirados na tese de Carlos Guilherme Mota Ideia de Revolução no Brasil (1967), na tese de Célia Quirino sobre Tocqueville (1982), além dos debates entre Roberto Schwarz e Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre as ideias e seu lugar no Brasil, que Adorno começa a traçar os paradoxos entre liberalismo e democracia, além do conservadorismo constitutivo do liberalismo brasileiro. Essas reflexões lhe dariam as bases para, em 1987, já como docente da FFLCH-USP, fundar junto a Paulo Sérgio Pinheiro o Núcleo de Estudos da Violência da USP, o NEV, iniciando um amplo programa de estudos com diversos pesquisadores sobre a persistência da violência durante o período da redemocratização.

Nas primeiras duas décadas à frente do NEV, Sérgio Adorno se especializou no estudo do sistema de justiça criminal, área que começou a investigar quando atuou no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) entre 1983 e 1988. Publicou estudos pioneiros na área, como a pesquisa “Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo” (1995, Novos Estudos), e artigos sobre a morosidade e a impunidade da justiça penal (Adorno & Pasinato, 2007). Com um programa amplo de pesquisa que passava pelo monitoramento de violações de direitos humanos, pelas percepções e atitudes sociais sobre violência e o estudo da aplicação das normas do Estado de direito, Adorno transformou o NEV, junto a Paulo Sérgio Pinheiro, a Nancy Cardia e a diversos outros pesquisadores renomados, num dos mais importantes centros de pesquisa social do Brasil e da América Latina, com grande impacto no debate público e acadêmico, e nas políticas públicas de direitos humanos e segurança pública.

Outra temática em que Adorno investiu esforços é a discussão sobre o monopólio legítimo da violência pelo Estado, inicialmente por meio de sua Tese de Livre-Docência intitulada “A gestão urbana do medo e da insegurança (Violência, Crime e Justiça Penal na Sociedade Brasileira Contemporânea)” (1996), com pesquisa de pós-doutorado no Centro de Pesquisas Sociais sobre Direito e as Instituições Penais (CESDIP), na França, e posteriormente com estudos relevantes sobre crime organizado (Adorno e Dias, 2019).

Adorno se tornou ao longo de sua carreira uma referência nacional e internacional na sociologia da violência, da segurança pública e dos direitos humanos, com atuação em diversos órgãos científicos locais, nacionais e internacionais. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (1991-1995), Secretário Executivo da ANPOCS (1997-2000), representante de área de Sociologia na CAPES (2004-2010), e membro do Conselho Deliberativo do CNPq, representando a área de Humanidades (2015-2019). Como professor, formou gerações de intelectuais e gestores que atuam em instituições sociais e governamentais ativas no debate público.

Em 2020 se aposentou como professor titular da FFLCH da USP, continuando a atuar no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e em pesquisa como coordenador do projeto CEPID-FAPESP do Núcleo de Estudos da Violência “Construindo a Democracia no Dia-a-Dia”. Sua atuação ao longo dos anos como coordenador do NEV, como professor e também como Diretor da FFLCH-USP entre 2012 e 2016, são fontes de inspiração para seus alunos e colegas, pela retidão moral e pelo compromisso com o interesse público e com a diversidade de visões de mundo, na academia e na sociedade.

Sugestões de obras do autor:

ADORNO, S.. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. 2. ed. são paulo: Edusp, 2019. v. 1. 318p

ADORNO, S. Discriminação Racial e Justiça Criminal em São Paulo. Novos Estudos Cebrap. 43. 1995, 45-63.

ADORNO, S. PASINATO, W. A justiça no tempo, o tempo da justiça . Tempo Social, 19(2), 131-155, 2007.

ADORNO, S.; DIAS, C. C. N. . Brazil: organized crime, corruption and urban violence. In: Felia Allum; Stan Gilmour. (Org.). Organized Crime and Politics. 1ed.Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2019, v. 1, p. 226-241.

ADORNO, S.; Lima, R. S. (Org.) . Violência, Polícia, Justiça e Punição – Desafios à segurança cidadã. 1. ed. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2019. v. 1. 478p .

Sugestões de obras sobre o autor:

LIMA, R. S. A Influência da Trajetória Intelectual de Sérgio Adorno nos Estudos sobre Violência, Democracia e Segurança Pública no Brasil. BIB, São Paulo, nº 73, 1º semestre de 2012, p. 101-117.