Rejane Maria Vasconcelos Accioly de Carvalho

Por Monalisa Soares (UFC)

Rejane Maria Vasconcelos Accioly de Carvalho nasceu no ano de 1944, em Fortaleza, Ceará. Realizou sua graduação (1971) no curso de Pedagogia na Universidade Estadual do Ceará. Dois anos depois, em 1973, ingressou como docente na Universidade Federal do Ceará, no Departamento de Ciências Sociais, onde permaneceu até a aposentadoria, atuando também como docente do Programa de Pós-graduação em Sociologia. Sua trajetória formativa inclui o mestrado em Sociologia realizado na Universidade de Brasília (1979) e o doutorado em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (1998). Ao longo de décadas de carreira, Rejane Carvalho se dedicou aos temas da sociologia política, com destaque para a dinâmica política cearense e os processos eleitorais em sua relação com a mídia.

Entre as décadas de 1970 e 1980, as problemáticas atinentes ao desenvolvimento regional, como a seca e as políticas agrárias, foram objetos centrais de suas investigações. Sua pesquisa de mestrado intitulada “Justiça Social e Acumulação Capitalista: O PROTERRA”, publicada em 1982 e referência das produções deste período, analisa a ação modernizadora do Estado no universo rural a partir da emergência e retomada de ações e programas de apoio a pequenos produtores no contexto de crise do autoritarismo brasileiro.

Ao analisar o PROTERRA, a autora identificou que os programas tinham uma dupla função, de um lado, produzir a superação dos entraves enfrentados pelas pequenas propriedades no que se refere ao financiamento e à comercialização dos produtos (por isso as facilidades de acesso ao crédito e incentivos à introdução de tecnologia para aprimoramento da produção) e, de outro, apresentar ações que materializassem um discurso de justiça social considerando que eram publicamente apresentados como uma resposta à histórica condição de pobreza das populações campesinas. Em continuidade a estas reflexões, Rejane Carvalho produziu diversas pesquisas com foco analítico nos movimentos sociais no campo e a mobilização dos trabalhadores rurais.

O processo de redemocratização trouxe novos contornos à produção sociológica de Rejane Carvalho. Na década de 1980, ainda observando o universo rural, suas inquietações se voltaram para as dinâmicas e os processos eleitorais, objeto que se tornaria seu campo de especialidade e ao qual dedicaria seus esforços de investigação por décadas de carreira. A primeira pesquisa sob a perspectiva dos estudos eleitorais, datada deste período, analisou as alterações na dinâmica tradicional de dominação política no Ceará.

Tensionando análises clássicas que tendiam a reificar o (neo)coronelismo como marca da política nordestina, Rejane investigou como ocorreram mudanças significativas, tanto com a entrada de novos atores em cena, quanto como resultados de políticas públicas, na relação entre políticos e eleitores na zona rural. Em termos de contribuições teóricas, através desta pesquisa, a autora constituiu uma interpretação para superar o que chamou de “eternização de um quadro de análise sobre o Nordeste”.

Com sua tese de doutorado “Transição democrática brasileira e padrão midiático publicitário da política” (1999), Rejane Carvalho se notabilizou nos estudos sobre Mídia e Eleições, tornando-se referência ao analisar a emergência de um padrão midiático publicitário na redemocratização brasileira. Na obra, a socióloga afirma que este novo padrão se caracteriza pelo processo de incorporação de estratégias do campo do marketing publicitário para o campo político. Dentre as técnicas introduzidas, a autora destaca o uso da imagem como estratégia central do trabalho político nas disputas eleitorais. A escolha pela análise das campanhas eleitorais de Maria Luiza Fontenele (1985) à prefeitura de Fortaleza e de Tasso Jereissati (1986) ao Governo do Estado do Ceará trouxeram contribuições relevantes e originais, entre elas: a) a análise de campanhas eleitorais anteriores ao fenômeno Collor; b) a investigação sobre o processo de produção do discurso político-midiático por candidaturas de esquerda e as tensões que se desdobram entre publicitários e militantes; e c) contribuições sobre como o uso político da publicidade na caracterização de projetos coletivos pode contribuir para a longevidade de grupos políticos.

Na coletânea “Campanhas eleitorais e comunicação midiática: ciclos de mudança e continuidade” (Edições UFC, 2013), Rejane Carvalho retomou a questão posta nas conclusões da tese: quais as condições de produção da continuidade política em regimes democráticos em ambiências midiatizadas? Para respondê-la, reuniu a sua produção ao longo de mais de uma década, fruto de debates construídos também em suas participações em fóruns e encontros da área. A composição do livro revela a profícua contribuição da autora para o campo de investigação Mídia e Eleições. Os artigos reunidos tratam de contribuições teóricas, análises de processos eleitorais para Presidência da República no Brasil, o Governo do Estado do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza.

Ao longo dos anos 2000, Rejane aprofundou a perspectiva interdisciplinar em suas análises aproximando, especialmente, os campos das Ciências Sociais e da Comunicação para interpretação dos fenômenos eleitorais. Com a publicação de diversos artigos em periódicos, organização e/ou contribuições em coletâneas, Rejane buscou relativizar tanto as interpretações apocalípticas, quanto as que absolutizavam os efeitos dos media nos processos eleitorais. Em suas análises, compreendemos a transformação que a midiatização operou na dinâmica das instituições políticas já conhecidas ao incorporar novas formas de produção da política.

Em virtude de sua produção, Rejane participou recorrentemente do debate público com entrevistas aos jornais e artigos de opinião pública. Em períodos eleitorais, suas disciplinas ligadas à temática se tornavam um laboratório de pesquisa onde a docente-pesquisadora e discentes acompanhavam atentamente os desdobramentos da disputa política, subsidiando, assim, discussões teóricas em sala de aula.

Do ponto de vista institucional, durante sua trajetória na Universidade Federal do Ceará (UFC), Rejane Carvalho também ofereceu uma contribuição que merece ser mencionada. Nos anos 1980, esteve entre os docentes que compuseram a coordenação do recém-criado Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais (NEPS). Foi Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS (2006-2008). E em 2004, fundou o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) no intuito de congregar pesquisadoras/es docentes e discentes de graduação e pós-graduação cujos estudos e pesquisas envolvessem a dinâmica dos processos políticos e eleitorais no Brasil e, em especial, no Ceará. O LEPEM desenvolve suas atividades mantendo a UFC como instituição sede e articulando em rede pesquisadores/as de outras instituições do Ceará e outros estados, ex-orientandos/as e ex-alunos/as de Rejane.

Um importante reconhecimento da contribuição intelectual de Rejane Carvalho, especialmente no tocante às suas análises sobre a dinâmica política cearense, ocorreu em 2002 através da sua eleição como sócia efetiva do Instituto do Ceará. Ao ingressar na mais antiga instituição cultural do estado (1887), a socióloga destacou no discurso de posse seu compromisso com a renovação dos princípios e crenças da instituição e sendo a sexta mulher eleita rendeu um tributo às suas antecessoras, destacando os relevantes esforços que as mulheres vinham conduzindo para superar os preconceitos e barreiras no âmbito da ciência e das letras.

Como docente, Rejane se destacou pelas excelentes aulas. Com a mente aguçada e inventiva, sempre ofereceu bons exemplos que contribuíam para uma tradução dos conceitos mais complexos. Como orientadora, de graduação, mestrado e doutorado, dois traços são recorrentes nos relatos de seus/suas orientandos/as: o brilhantismo e a generosidade. Na condição de alguém que teve o prazer desse convívio, posso testemunhar: Rejane é uma mestra respeitosa, dedicada, que, além dos muitos ensinamentos teórico-metodológicos, oferece incontáveis palavras de estímulo que nos fazem acreditar nos versos de Pessoa: “sou do tamanho que vejo e não do tamanho da minha altura”.

Sugestões de obra da autora:

CARVALHO, R. M. V. A. Justiça Social e Acumulação Capitalista (O Proterra). Fortaleza: Edições UFC/PROED, 1982. 169p.

CARVALHO, R. M. V. A. Transição Democrática Brasileira e Padrão Midiático Publicitário da Política. 1. ed. Campinas – SP: Pontes; Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1999. 268p.

CARVALHO, R. M. V. A. A Produção da Política em Campanhas Eleitorais – eleições municipais 2002. 1a. ed. Campinas SP: Pontes Editores, 2003. 318p.

CARVALHO, R. M. V. A. O Ceará na década de 1980 – atores políticos e processos sociais. Campinas: Pontes, 2009.

CARVALHO, R. M. V. A. Campanhas eleitorais e comunicação midiática: ciclos de mudança e continuidade. 1. ed. Fortaleza: Edições UFC, 2013. 376p.

CARVALHO, R. M. V. A. Eleições 2010: enredos e personagens. Curitiba: Appris, 2018. v. 1. 260p.

CARVALHO, R. M. V. A.; AQUINO, J. A. A derrota de Tasso Jereissati na disputa para o Senado em 2010: Como entender a dissolução de suas bases eleitorais?. Revista Debates (UFRGS), v. 5, p. 145-180, 2011.

CARVALHO, R. M. V. A.; LOPES, M. S. Duelo entre candidatos poste: a campanha eleitoral pela prefeitura de Fortaleza em 2012. Revista de Ciências Sociais (UFC), v. 48, p. 91-123, 2016.