Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Por Emília Pietrafesa de Godoi (UNICAMP)

Maria de Nazareth Baudel Wanderley nasceu em 13 de maio de 1939 no Recife, Pernambuco. Seu pai, Diógenes Gabriel Wanderley, era, àquela altura, presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Açúcar e sua mãe, Maria José Baudel Wanderley, professora na Escola da Usina Barão de Suassuna, onde residiam, no município de Escada. Segunda filha do casal e a primeira mulher dos seus nove filhos, Nazareth Wanderley viveu até os seus seis anos de idade na Usina Barão de Suassuna. Seu pai foi o fundador, em 1938, do Sindicato dos Trabalhadores do Açúcar de Pernambuco e, em 1945, se tornou presidente da Federação dos Trabalhadores do Açúcar, motivo que levou à mudança da família para Recife. Após concluir o ensino primário, Nazareth Wanderley ingressou, em 1949, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, cuja fundação em 1943 contou com a participação de uma de suas tias maternas, Madre Amara. Neste Colégio permaneceu até a conclusão do curso científico, em 1957. Em janeiro de 1958, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco[1].

Concluído o bacharelado, viajou, em 1963, para a França, onde permaneceu até 1966, tempo em que realizou a especialização em Sciences Sociales du Travail, no Institut des Sciences Sociales du Travail (ISST) sob a orientação de Yves Goussault, concluída com a monografia Le travail et les travailleurs de la canne à sucre à Pernambuco, que consistiu em um estudo sobre o “Acordo do Campo”, proposto por Miguel Arraes, então governador daquele estado. Eis que vemos a pesquisadora se ocupar de um tema que articula a sua formação em Direto, o seu trabalho pregresso, quando ainda estudante, junto ao Serviço de Orientação Rural de Pernambuco – SORPE/Arquidiocese de Olinda e Recife, na implantação de sindicatos rurais, com o olhar da cientista social em construção. Voltou à França em 1969 e lá permaneceu até 1975 para a realização do seu Doutorado em Sociologia na Universidade de Paris X, Nanterre, onde apresentou a tese L’économie sucrière de Pernambuco: contribution à l´étude des rapports entre la propriété foncière et le capital, realizada sob a orientação de Henri Mendras e Marcel Jollivet.

A autora dedicou-se neste início da sua trajetória acadêmica a pesquisar, a desvelar e a compreender relações de trabalho e o desenvolvimento do capitalismo em um setor cujas privação e desemparo de seus trabalhadores não escaparam à percepção e consciência no ambiente em que viveu a sua primeira infância e a sua atuação no SORPE. Não menos importante é o fato de seu pai ter sido Juiz Classista – juiz não togado – nos anos de 1950, representante dos trabalhadores junto à Justiça do Trabalho de Pernambuco. A trajetória do Direito à Sociologia ecoa o ambiente vivido. Concluído o Doutorado em Sociologia na França e de volta ao Brasil, Nazareth Wanderley trabalhou por três anos na EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural) e presidiu o Centro de Estudos e Pesquisas Rurais, CEPER/Brasília, entre 1977 e 1979. Em 1978 ingressou na Universidade Estadual de Campinas, onde permaneceu por duas fecundas décadas na docência e na pesquisa.

Na UNICAMP integrou-se, logo de início, ao Grupo de Estudos Agrários do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, que, em depoimento, a autora revela ser carinhosamente chamado de “Grupo do Matinho”. Este Grupo de Estudos reunia nomes importantes dos Estudos Agrários não apenas da Unicamp, mas também da ESALQ, dos campi da UNESP de Botucatu e Araraquara e das PUCs de Campinas e São Paulo. Nesse momento de efervescência nos debates sobre questões rurais, Nazareth Wanderley foi sócia fundadora e presidente da APIPSA, Associação Projeto de Intercâmbio em Pesquisa Social na Agricultura, financiada pela Fundação Ford. Mais tarde, em 2006, foi uma das fundadoras e coordenadora da Rede Nacional de Estudos Rurais. A sua liderança de projetos coletivos, a sua participação ativa na constituição do campo de estudos rurais no Brasil, faz-se notável na criação de Associações Científicas e de Centros e Laboratórios de Pesquisa. Menciono aqui o Centro de Estudos Rurais (CERES/IFCH/UNICAMP), do qual foi uma de suas criadoras, em 1996, e sua primeira diretora; o Laboratório de Observação Permanente sobre as Transformações do Mundo Rural do Nordeste, que criou na Universidade Federal de Pernambuco, onde foi professora colaboradora após a sua aposentadoria na Unicamp, em 1998. Participou ativamente na elaboração da proposta do Doutorado em Ciências Sociais do IFCH em 1985 na Unicamp e foi a primeira coordenadora da Área de Agricultura e Questão Agrária deste Doutorado, na qual formou muitos pesquisadores que se tornaram referência nos estudos sobre o mundo rural. No âmbito desta área do doutorado em Ciências Sociais, Nazareth Wanderley coordenou entre os anos de 1991 e 1995, pela Unicamp, o projeto de grande fôlego Capes/Cofecub sobre Novas Perspectivas do desenvolvimento Agrícola na França, na Europa e no Brasil. Deste projeto, destaca-se a parte dedicada ao Brasil realizada por pesquisadores brasileiros, dentre os quais Nazareth Wanderley, cujos resultados foram apresentados nos dois livros organizados por Hugues Lamarche, A Agricultura Familiar, Comparação internacional – uma realidade multiforme (vol. 1) e do mito à realidade (vol. 2), que foram publicados no Brasil, na França e na Polônia.

Sua ligação com a França percorre a sua vida acadêmica desde a sua formação doutoral. A autora foi pesquisadora visitante do CNRS, em 2007, junto ao LADYSS, Laboratoire des Dynamiques Sociales et Recomposition des Espaces, da Universidade de Paris X, Nanterre. E, em 2014, realizou um pós-doutorado no CIRAD, Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement, na Universidade Paul Valéry, de Montpellier. Seu livro Uma singularidade histórica: o olhar de uma pesquisadora brasileira sobre o mundo rural francês, lançado em 2018, é um dos resultados eloquentes do seu encontro com o campo francês; neste livro expressa a sua sensibilidade às particularidades históricas das distintas realidades e nos faz perceber como soube se valer deste olhar para colocar questões, de outra maneira impensadas, à realidade brasileira. Dois outros livros se destacam na produção da professora, Um saber necessário: os estudos rurais no Brasil (2011), que consiste em um balanço crítico da produção acadêmica sobre o rural nas cinco décadas que precederam a publicação, e O Mundo Rural como um Espaço de Vida: reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade (2009), livro imprescindível que reúne os principais artigos publicados pela autora até então.

Pesquisadora incansável e atenta aos processos de transformação da sociedade brasileira, as obras de Nazareth Wanderley indagam sobre o lugar do mundo rural nesses processos e, ao mesmo tempo, sobre o que o mundo rural nos fala e nos revela desses processos. São 11 livros publicados, autorais e organizados, 43 capítulos de livros e 23 artigos em periódicos, que se debruçam sobre temas como o capital e a propriedade da terra; agricultura e acumulação de capital; trabalho subordinado e resistência dos trabalhadores rurais; concentração fundiária e lutas pela terra; agricultura familiar e a sua reprodução sob novas condições em áreas de agricultura moderna; jovens rurais e ruralidade nas sociedades modernas – sem o exame dessas questões, não seria possível compreender parte significativa da realidade brasileira. Eloquente da importância da sua atuação e do legado que a sua obra constitui para a Sociologia, em 2011, a Sociedade Brasileira de Sociologia outorgou à Nazareth Wanderley o Prêmio Florestan Fernandes, e, em 2016, a Rede de Estudos Rurais criou o Prêmio “Maria de Nazareth Baudel Wanderley”, concedido a cada ano à melhor tese sobre temas rurais no Brasil. Há que se dizer, que além do mundo rural, a história e a cultura pernambucanas são uma paixão na vida desta brilhante intelectual.

Jangada Para Nazaré
Jangada do meu Nordeste
Coqueiros olhando o Mar
O Mar que banha Recife
Recife prá gente amar
A jangada dá saudades
De quem está longe do lar
Jangada, vai lá na França
Vai minha Naza buscar.
(Mani, 1965)

Sugestões de obras da autora

WANDERLEY, M. N. B. Uma singularidade histórica: o olhar de uma pesquisadora brasileira sobre o mundo rural francês. Recife: Editora da UFPE, 2018.

WANDERLEY, M. N. B. Juventude rural: vida no campo e projetos para o futuro. Recife – PE: Editora da UFPE, 2013.

WANDERLEY, M. N. B. Um saber necessário; os estudos rurais no Brasil. Campinas SP: Unicamp, 2011.

WANDERLEY, M. N. B. O mundo rural como um espaço de vida. Reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre RS: UFRGS, 2009.


[1] Em dezembro de 2020 fui brindada com um presente de Nazareth Wanderley – um escrito com suas memórias, sob a forma de carta à sua filha, que generosamente a autora partilhou com alguns amigos e amigas. É desse escrito, com 113 páginas, intitulado “Os caminhos da vida. Aos 80 anos, estou viva e bulindo”, que as informações biográficas aqui apresentadas foram retiradas, assim como o poema de Mani, Maria José Baudel Wanderley, sua mãe, com o qual se encerra essa bionota.