Manuel Diégues Júnior

Elder Patrick Maia Alves (UFAL)

O cientista social Manuel Baltazar Pereira Diégues Júnior nasceu em Maceió no dia 21 de setembro de 1912, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 1991. Filho da classe média urbana em formação, Diégues pertence a última geração de cientistas sociais urdida nos antigos cursos de ciências jurídicas e sociais. No seu caso, completou os estudos universitários em 1935, concluído na Faculdade de Direito de Recife. Durante os dois últimos anos de sua graduação, frequentou rotineiramente os cursos livres de sociologia regional e rural oferecidos por Gilberto Freyre.

Foi pelas mãos do mestre de Apipucos que Diégues Júnior fez a sua imersão nas ciências sociais. A trajetória de Diégues foi pontilhada pela construção paulatina de três competências recorrentes e comuns entre as elites técnicas e intelectuais brasileiras, mas que muito raramente se combinam e se acomodam em um único indivíduo. Primeiro, Diégues construiu uma sólida carreira de pesquisador e professor universitário, exercitando a pesquisa e o magistério no âmbito da antropologia e da sociologia por cerca de trinta anos, integrando o corpo docente do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Nessa frente, amealhou reconhecimento intelectual e contribuiu diretamente para sofisticação teórica e o enriquecimento da fortuna crítica dos estudos que compõem a vertente do culturalismo brasileiro, que tem como nomes seminais Gilberto Freyre e Sérgio Buarque.

Essa primeira frente, que podemos chamar de intelectual-científica, foi definida e consolidada pela publicação de três obras que projetaram o nome de Diégues no âmbito das ciências sociais brasileiras: “O banguê nas Alagoas – traços da influência do sistema econômico do engenho de açúcar na vida e na cultura regional” (1949); “População e açúcar no Nordeste” (1954) e “Regiões culturais do Brasil” (1960). No Interior da copiosa obra de Diégues, essas três publicações se destacam. Nelas é possível constatar a influência da antropologia cultural de Franz Boas, o rigor no manuseio das fontes documentais e o paulatino conhecimento dos dados estatísticos oficiais, que contribuiu, ele mesmo, para coletar, tabular e consolidar. Antes de se transferir definitivamente para o Rio de Janeiro, em 1950, Diégues trabalhou por onze anos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição que contribuiu diretamente para criar e consolidar, desde os tempos em que ainda se chamava Instituto Nacional de Estatística. Durante o período que permaneceu no IBGE, ainda atuou como Diretor Geral do Departamento Estadual de Estatística de Alagoas, entre 1942 e 1945. Essa frente da trajetória de Diégues evidencia a pujança de um intelectual que, aos poucos, aprendeu a manusear distintos dados qualitativos (extraídos de entrevistas, jornais, documentos oficiais, imagens, etc.) e dados quantitativos (colhidos a partir de questionários e censos realizados no fim do século XIX e primeiras décadas do século XX).

Em segundo plano, se destaca a frente da atuação político-científica. Simultaneamente ao trabalho de pesquisador e professor, Manuel Diegues foi, ao longo das décadas de 1950 e 1960, um dos artífices de construção das instituições científicas das ciências sociais brasileiras e latino-americanas. Durante as referidas décadas promoveu e organizou diversos encontros científicos locais, regionais e estaduais. Foi um membro ativo da Campanha Nacional do Folclore, órgão criado em 1957, e que passou a integrar a estrutura jurídico-administrativa do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Antes, ainda na década de 1940, havia contribuído para consolidar a representação da Comissão de Folclore de Alagoas, e, como destacou Vilhena (1997), foi um membro vibrante do chamado movimento folclorista brasileiro, que alcançou seu apogeu entre 1947 e 1964.

Ainda no âmbito dessa segunda frente, entre 1960 e 1962, Diégues exerceu o cargo de Diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil, mais tarde Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao longo da década de 1960 também exerceu o cargo de Diretor do Centro Latino-Americano de Pesquisa em Ciências Sociais (CLAPCS), diretamente vinculado a UNESCO. Entre 1953 e 1955, e 1967-1969 exerceu a presidência da Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS), e, ainda, entre 1957-1958 e entre 1966 e 1974, integrou a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), da qual também foi um dos fundadores.

Por fim, a terceira frente de atuação inscrita na trajetória de Manoel Diegues, que se pode nomear de técnico-administrativa, revela o quão impactante foi o saber técnico desse cientista social para a elaboração de determinadas políticas, notadamente as políticas culturais. Em 1966, em decorrência do alcance de sua obra e das boas relações que teceu junto aos circuitos políticos e intelectuais, Diegues foi convidado para atuar como membro do recém-criado Conselho Federal de Cultura (CFC), que tinha como membros nomes como Ariano Suassuna, Roberto Burle Max e Rodrigo Melo Franco de Andrade. O CFC dispunha de quatro câmaras técnicas (artes, letras, ciências humanas e patrimônio histórico) e integrava a estrutura jurídica e administrativa do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

O CFC era composto por 24 membros, cujos nomes, como muito apropriadamente nomeou Tânia Maia (2007), eram verdadeiras eminências – espécies de cardeais – da cultura. O CFC tinha a missão de assessorar o Ministério da Educação e Cultura (MEC) na elaboração de pareceres, reflexões, publicações e ideias envolvendo as quatro câmaras técnicas. Com o recrudescimento da censura federal e a politização cada vez maior dos conteúdos culturais nos circuitos de circulação urbana, combinado a diferenciação e crescimento das linguagens artísticas (cinema, teatro, música, literatura, entre outras), o governo militar passou priorizar a dimensão das políticas culturais, até então subsumida no complexo técnico, normativo e instrumental da educação.

Hábil politicamente, inteiramente traquejado nas laboriosas rotinas técnico-operacionais e conhecedor da dinâmica territorial e sociocultural brasileira, Diegues se destacou no âmbito do CFC, figurando como o seu vice-presidente por um bom tempo. Tal destaque, culminou, em 1974, com o convite para assumir a direção do Departamento de Assuntos Culturais (DAC), nova unidade organizacional criada em 1970 no seio do Ministério da Educação e Cultura (MEC). O espaço organizacional e institucional dedicado às artes e à cultura havia se expandido no âmbito do MEC, muito em decorrência da pressão de novos grupos de interesse que, mesmo sob censura, exigiam mais espaço, recursos e incentivos para o cinema, a música, o teatro, as artes plásticas, o patrimônio, etc. Como salientou Renato Ortiz (1993), no Brasil da ditadura militar censurou determinados filmes, não o cinema; censurou determinadas peças, não o teatro; censurou determinadas canções, não a música popular, e assim por diante.

Diegues assumiu o DAC em um momento de distensão política, e recebeu a missão de executar, na forma de políticas nacionais estruturadas, os alentados recursos do Programa de Ações Culturais (PAC). O DAC começou a atuar como o braço executivo da cultura e das artes no MEC, se tornando, de direito e de fato, o embrião do Ministério da Cultura, criado em 1985. Sob a responsabilidade do DAC estavam, por exemplo, instituições como o Instituto Nacional do Livro (INL), o Instituto Nacional de Cinema (INC), o Serviço Nacional de Teatro (SNT) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A esse acervo, acrescenta-se a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), criada em 1975, durante a gestão de Manoel Diegues.

Manuel Diegues esteve à frente do DAC de 1974 a 1979, e, além da criação da Funarte, reforçou e consolidou a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S.A) e, sobretudo, expandiu e definiu a moldura institucional das artes e da cultura no âmbito do MEC. A sua atuação como técnico e gestor público se traduziu, em Alagoas, por exemplo, na reforma do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IGAL), no financiamento de diversos festivais de cinema e música, como o 1º Festival de Cinema de Penedo, e na aquisição do belo casarão localizado na aprazível Praia da Avenida, onde, ainda em 1975, passou a funcionar o Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, equipamento cultural pertencente a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e que hoje é um signo central da paisagem urbana, arquitetônica e cultural da cidade de Maceió. À frente do DAC, Diégues atuou, de fato, como Ministro da Cultura. As três competências arroladas aqui, traduzidas em diferentes frentes de atuação profissional, demonstram a grande capacidade intelectual, científica e política desse versátil cientista social, que deve, por tudo que foi assinalado, ser revisitado, redescoberto e valorizado.

Sugestões de obras do autor:

JÚNIOR, Manoel Diégues. O Banguê nas Alagoas: traços da influência do sistema econômico do engenho de açúcar na vida e na cultura regional. Instituto do Açúcar e do Álcool. Rio de Janeiro, 1949.

JÚNIOR, Manoel Diégues. População e açúcar no Nordeste. 2ª edição Maceió, Edufal, 2012.

JÚNIOR, Manoel Diégues. Regiões culturais do Brasil. Rio de Janeiro, Ministério da Educação, 1960.

JÚNIOR, Manoel Diégues. Etnias e culturas no Brasil. Rio de Janeiro, Ministério da Educação, 1976.

Sobre o autor:

ALVES, Elder P. Maia. Manoel Diégues Júnior: de culturalista sofisticado a artífice da modernização cultural brasileira. In: História e memória das ciências sociais em Alagoas. SANTANA, Luciana, CAVALCANTI, Bruno e VASCONCELOS, Ruth (Org.). Maceió, Edufal, 2017.

FILHO, Vasconcelos Marcos. Manoel Diégues Júnior: o regional e o cultural. São Paulo, Intermeios, 2012.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Problemas do estudo da cultura no Brasil: a abordagem de Manoel Diégues Júnior. Rio de Janeiro, Editora PUC-RJ, 1983.