Manuel Correia de Andrade

Por Maria Ângela Sitônio Wanderley (UFPB)

Manuel Correia de Andrade nasceu em 1922, no engenho Jundiá, em Vicência, na Zona da Mata Norte, em Pernambuco, onde passou a infância ao lado dos pais e dos oito irmãos. Lá iniciou seus estudos e pôde observar a faina dos trabalhadores na produção da cana e na moagem do antigo banguê que, à época, já era engenho a vapor, tornando-se engenho de fogo morto só na década de 1960. Percebeu, também, a rígida hierarquia e a forte dominação exercida pelo senhor de engenho. Essa vivência, segundo ele, o marcou profundamente. Em uma escola pública de Vicência fez o curso primário. A família foi morar em Recife e, em 1933, ele ingressou no curso secundário do Liceu Pernambucano. Em 1941 entrou na Faculdade de Direito.

A Faculdade de Direito do Recife (fundada em Olinda em 1827) abrigou, historicamente, grandes intelectuais que marcaram a política, a literatura e a filosofia do Brasil, nos séculos XIX e XX. Nesse ambiente de grande agitação política e intelectual, Manuel Correia de Andrade iniciou sua militância, participando do Diretório Acadêmico, dos protestos e passeatas contra o governo Vargas. filiando-se, por pouco tempo, ao Partido Comunista Brasileiro. Chegou a ser preso em 1944, processado pelo Tribunal de Segurança Nacional e anistiado um ano depois. Em 1943, quando da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da atual Universidade Católica de Pernambuco, ingressou como aluno da turma pioneira do Curso de Geografia e História, inclinado que estava para as Ciências Sociais após as leituras dos livros de Gilberto Freyre. Porém, continuou cursando e concluiu o curso de Direito. Na década de 1950, filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro. Em 1956, frequentou o Curso de Altos Estudos Geográficos, na Universidade do Brasil (hoje UFRJ), tendo Milton Santos como um dos seus colegas. Com o golpe militar de 1964, foi preso, em razão de sua militância política; por ter dirigido, no governo de Miguel Arraes, o Grupo Executivo de Produção de Alimentos (GEPA), grupo de apoio aos pequenos produtores rurais; por ter participado do Movimento de Cultura Popular (MCP), voltado para educação de adultos e educação de base; por ter escrito o livro” A Terra e o Homem no Nordeste”, obra que foi proibida por quase dez anos.

Tendo recebido uma bolsa de estudos da Association pour L’Organisation des Stages de Tecniciens Étrangers, convidado pelo professor Pierre Monbeig da Universidade Sorbonne, foi para a França onde frequentou cursos de Pós-graduação e fez estágios com os professores François Perroux, Jacques Boudeville, Pierre George, Michel Rochefort. Proferiu palestras e participou de eventos acadêmicos em universidades da França, Bélgica, Itália, Israel e Japão. retornando ao Brasil em 1966. Nesse mesmo ano, obteve o título de Doutor em Economia.

Começou a vida docente como professor do curso secundário, inicialmente em escolas particulares e depois em escolas públicas, inclusive no Ginásio Pernambucano (Liceu de Pernambuco), famoso pela qualidade de ensino e pelos alunos renomados que o frequentaram: Agamenon Magalhaes, Ariano Suassuna, Epitácio Pessoa, Clarice Lispector, José Lins do Rego, Celso Furtado, Waldemar de Oliveira. Durante esse período, em parceria com Hilton Sette, produziu livros didáticos de Geografia Geral e História. Depois que concluiu o Curso de Direito, foi advogado trabalhista de vários sindicatos. Mas, em 1952, deixa essa atividade e ingressa como docente na Universidade Federal de Pernambuco e na Universidade do Recife. Nessa última, desenvolve importante pesquisa de campo sobre os rios nordestinos, como assistente do professor Gilberto Osório de Andrade. Na UFPE, foi professor da Faculdade de Economia coordenou cursos de pós-graduação e participou da criação do Programa Integrado de Economia e Sociologia-PIMES, que originou os Mestrados de Economia e Sociologia.

Na década de 1970 era, também, pesquisador da SUDENE. Foi professor, na década de 1980, da USP, UNESP, de universidades latino-americanas e de universidades em outros locais do mundo. Nessa época, já era pesquisador ad hoc do CNPq. Aposentou-se da UFPE em 1984 e assumiu a Coordenação-Geral de Estudos da História Brasileira Rodrigo Melo Franco de Andrade (CEHIBRA), da Fundação Joaquim Nabuco. Retorna à UFPE para a Cátedra Gilberto Freyre, vinculada ao Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, para a qual foram indicados, também como coordenadores, os professores Heraldo Souto Maior e Fernando da Mota Lima. O objetivo da Cátedra era estudar, pesquisar, promover cursos e editar publicações de temas ligados à realidade nordestina.

Manuel Correia de Andrade publicou mais de 100 livros. O grande número de artigos, os cursos que ministrou, as palestras que proferiu e os eventos científicos dos quais participou, demonstram sua contribuição extraordinária para a Geografia, História, Sociologia, Antropologia e sobretudo para os estudos sobre o Nordeste. Era um defensor da interdisciplinaridade que praticava, criticando a fragmentação das Ciências Sociais, segundo ele, capaz de prejudicar a visão de totalidade. Ele afirmou que não se escreve um livro para ser de Sociologia, de História ou de Geografia, mas para analisar uma realidade. Em seus livros e nos artigos para jornais e revistas abordava temas que iam além das questões nordestina e brasileira. Porém sempre estão abordadas a questão ambiental, a questão regional, os movimentos sociais, a estrutura fundiária que considerava responsável pelas desigualdades sociais, a pobreza e a fome no Nordeste.

Seu livro mais emblemático é A Terra e o Homem do Nordeste, premiado pela Câmara Brasileira do Livro como um dos 100 livros do século XX. Publicado em 1963, esse livro surge na época da grande agitação política, em que eram defendidas as reformas de base no país, precedendo o golpe militar de 1964. Foi recebido com restrições por alguns geógrafos, porém foi bem aceito por muitos cientistas sociais e por participantes dos movimentos sociais. Alguns geógrafos consideravam um livro “não científico” e, ainda, uma “obra de Sociologia, de Política”. Outros reconheceram a influência que teve, posteriormente, para uma nova geração de geógrafos. O autor mesmo admite que o livro foi uma ruptura política e também científico-metodológica. Depois de anos de estudos, pesquisas e vivências, Manuel Correia de Andrade produz essa obra que, para Caio Prado Jr, autor do prefácio, era inédita nos estudos sobre o Nordeste. Nela eram abordadas, pela primeira vez, as relações de produção, as relações de trabalho, nos diversos espaços nordestinos. A análise parte do modo como se deu, historicamente, a ocupação da terra, a estrutura fundiária e as classes sociais por ela geradas, bem como o papel do Estado nesse processo. A Terra e o Homem do Nordeste, segundo Cícero P. de O. Carvalho, é referenciado em importantes obras que tratam da questão regional nordestina tais como: Estrutura Agrária do Sub-desenvolvimento Brasileiro – Celso Furtado, Elegia para uma Re(li)gião -Francisco de Oliveira, Crise Regional e Planejamento- Anita Cohn, O Regionalismo Nordestino- Rosa Godoy Silveira.

O reconhecimento a Manuel Correia de Andrade pode ser medido pelas importantes homenagens e títulos que recebeu: Professor Emérito da UFPE(1989); Pesquisador Emérito da Fundação Joaquim Nabuco (1989); Doutor Honoris Causa pela UFS (1996), pela UFRN(1995) , pela UFAL(1994) e pela Universidade Católica de Pernambuco (1978); Medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico, do Ministério de Ciência e Tecnologia (2003); Medalha Capes 50 anos, do Ministério de Educação (2001); Prêmio Milton Santos, conferido por ter sido escolhido Geógrafo da América Latina, no Encontro de Geógrafos da América Latina ocorrido na USP (2005); Prêmio Florestan Fernandes, Sociedade Brasileira de Sociologia (2001). Membro da Academia Pernambucana de Letras (2002).

Em 22 de junho de 2007, morre, em plena atividade intelectual, esse grande pensador, escritor, pesquisador, professor, deixando uma importante e inovadora contribuição para as Ciências Sociais.

Sobre o autor

ANDRADE, Thais de Lourdes Correia de. Vida e obra de Manuel Correia de Andrade: caminhos percorridos na Geografia e contribuição aos estudos regionais e ambientais. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2018.

CARVALHO, Cícero Péricles de Oliveira. Manuel Correia de Andrade e a Economia Política do Nordeste. Revista Econômica do Nordeste. V45, nº 2, p.6-16, abr/junho, 2004.

CAVALCANTI, Clóvis; RIBEMBOIM, Jacques; RIVAS, Leda (organizadores). Manuel Correia de Andrade: um Homem chamado Nordeste. Recife. Edições Bagaço. 2008.

LIMA, Marcos Costa. Homenagem a Manuel Correia de Andrade: a geografia e a política do Nordeste Brasileiro. In Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.22, nº65.São Paulo, SP.

MOREIRA, Emília; TARGINO, Ivan; RODRIGUES, Maria de Fátima. Manuel Correia de Andrade: uma vida de trabalho em defesa de uma ciência geográfica socialmente compreendida.IN: Revista Okara: Geografia em Debate, v.1,nº1, p.143-145. João Pessoa. UFPB. 2007.