Luzinete Simões Minella

Por Marlene Tamanini (UFPR)

Luzinete Simões Minella nasceu em Aracajú, Sergipe, em 1950, e foi criada em Salvador, Bahia. É filha de mãe-dona-de-casa e seu pai foi proprietário de uma pequena empresa de caminhões de transporte de combustível.  Seus pais tiveram dez filhos, seis mulheres e quatro homens. Estudou, assim como seus irmãos e  irmãs, em escolas públicas,  tendo ingressado  nas atividades de ensino muito cedo. Aos 14 anos, já ministrava aulas particulares de português, história e geografia para estudantes do ensino primário que moravam no seu bairro e nas adjacências.

Formou-se no curso de graduação em Ciências Sociais e no mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em 1975, durante o mestrado, foi aprovada em concurso público para professora auxiliar do Departamento de Ciências Sociais da UFBA. Inicialmente ministrava aulas na graduação e como resultado da progressão na carreira, além dessa função, assumiu também a coordenação do curso de Ciências Sociais, entre 1980 e 1983, aulas no mestrado e diversas outras funções além de ter sido vice representante do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, junto à Associação de Professores da UFBA.

Em 1984, iniciou o doutorado em Sociologia na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), onde desenvolveu sua tese a respeito das relações entre as “doenças mentais” e o contexto de pobreza na Bahia. Este interesse em saúde a acompanhou por muitos anos, e suas pesquisas nessa área, passaram a incluir, alguns anos depois, os direitos sexuais e reprodutivos e a saúde reprodutiva das mulheres. Posteriormente, passou a atuar no campo dos estudos de gênero e das teorias feministas, desenvolvendo, mais recentemente, pesquisas sobre cotistas raciais e sobre a participação das mulheres na ciência. A perspectiva de gênero como categoria analítica foi sendo incorporada de maneira pungente e gradativa em sua trajetória. Começou na UFBA, ao cursar em 1974, a disciplina “Sociologia da Família e das Relações entre os Sexos”, ministrada pela professora Zahidé Machado Neto no Mestrado em Ciências Sociais. Esta disciplina marcou a sua inserção no pensamento feminista num período em que se construía uma área de conhecimento que se autodefinia como estudos de mulheres e da condição feminina. Seu interesse pelo campo dos estudos de gênero e feminismos foi sendo incorporado e desenvolvido, ao longo do tempo, nas aulas da graduação e da pós, nas orientações, nas linhas e eixos de pesquisas e na sua participação ativa, até o presente, mesmo após a aposentadoria, na Revista Estudos Feministas (REF), da Universidade Federal de SC (UFSC).

Luzinete se transferiu da UFBA para a UFSC porque constituiu família em Florianópolis. Conheceu, no México, DF, Ary Cesar Minella, com quem se casou, teve dois filhos e conviveu por vinte e quatro anos. Ele era então recém-doutor no Departamento de Ciências Sociais da UFSC, no qual ela também começou a atuar em 1988, como professora cedida pela UFBA, obtendo sua transferência definitiva em 1991.

Durante a década de 1990, ficam evidentes, em suas publicações e projetos de pesquisa apoiados pelo CNPq e pela CAPES, seus vínculos com a produção de saberes em saúde reprodutiva, através de estudos sobre as percepções das mulheres esterilizadas a respeito das consequências físicas e emocionais desse procedimento, além de análises sobre as diretrizes institucionais. Suas pesquisas nessa área, se fundamentaram na revisão da literatura e na realização de pesquisas empíricas que consideravam a voz das mulheres esterilizadas. Estas pesquisas articularam a literatura feminista e de gênero à leitura de Michel Foucault, bem como às contribuições de outros autores e autoras da teoria social contemporânea.

Durante os 11 anos de atuação no Departamento de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, criou e coordenou a linha de Pesquisa em Saúde e Sociedade no Brasil, participou da linha sobre Infância e Juventude no Brasil e manteve intensa participação na docência, na pesquisa e na extensão, além de exercer cargos administrativos, por exemplo, a coordenação do curso de Ciências Sociais.

Aposentou-se em 2002, ano em que assumiu a condição de professora voluntária do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), vinculando-se à área de concentração em Estudos de Gênero, que coordenou durante vários anos. Este Programa se articula com o Instituto de Estudos de Gênero, criado em 2005, integrado por pesquisadoras da UFSC e da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Dedicou-se, então, a novos projetos, com apoio do CNPq, nos quais analisou, entre 2012 e 2015, dados secundários sobre o perfil de estudantes dos cursos de graduação em medicina das redes pública e privada, na UFBA e na UFSC. Focou-se nas interseções entre gênero, gerações, classe e etnia. Também desenvolveu nova pesquisa, de 2015 a 2018, apenas na rede privada, e iniciou análises das vivências das e dos cotistas raciais, incluindo a realização de entrevistas semiestruturadas. Essas pesquisas analisaram as especificidades regionais, a partir de estudos sobre as interferências do gênero na escolha das carreiras acadêmicas e nas perspectivas sobre o futuro profissional das mulheres. Estes enfoques são muito relevantes para visibilizar as relações entre maternidade e ciência, os impactos do nascimento dos filhos nas carreiras acadêmicas, sobretudo em relação às exigências de produtividade e demonstram a necessidade de políticas que contemplem as cientistas mulheres. Luzinete já estava atenta a esses aspectos, também analisados por outras pesquisadoras, em um período em que sua visibilidade era menor. A realização da pesquisa sobre estudantes cotistas raciais, na UFBA e na UFSC, destaca   suas percepções sobre preconceitos, os seus projetos acadêmicos futuros, os aspectos positivos das suas experiências e o seu olhar a respeito de suas trajetórias escolares, as quais, quando comparadas com as trajetórias dos seus familiares, trazem outros importantes aspectos.

É preciso destacar que paralelamente, Luzinete também se dedicou a outros temas, como o das trajetórias das doze cientistas que receberam o Nobel (premiação criada em 1901) na área de Fisiologia ou Medicina, entre 1947 e 2015.  A análise dessas trajetórias se baseia na crítica feminista à ciência, nos estudos sobre gênero e ciências e nos avanços da história das ciências. Esta pesquisa reflete sobre a origem e a formação das laureadas com prêmio, as interferências de gênero na construção das suas carreiras, os desafios que enfrentaram, destacando as semelhanças e diferenças entre as pioneiras e suas sucessoras, dentre outros aspectos.

Como pesquisadora permanente do Instituto de Estudos de Gênero da UFSC, desde sua fundação, participou de muitas atividades. Estão em destaque a co-coordenação das três primeiras edições dos Cursos de Curta Duração em Gênero e Feminismo, ocorridas em 2008, 2009 e 2010 em parceria com a professora Joana Maria Pedro. A co-coordenação executiva da primeira edição da Formação em Gênero e Diversidade na Escola (GDE), realizada em 2009, sob a coordenação de Miriam Pillar Grossi e de Mara Coelho de Souza Lago, em parceria com Carla Giovana Cabral; com várias colegas, assumiu a cocoordenação editorial da Revista Estudos Feministas, entre 2001 e 2004 e de 2007 a 2008. Entre 2009 e 2015, atuou, especificamente, na editoria de artigos[1] e, a partir de dezembro de 2016 até o presente, voltou a fazer parte da co-coordenação da Revista.

Participou das Comissões Organizadoras da série de eventos Seminário Internacional Fazendo Gênero, promovidos pela UFSC e pela UDESC, tendo, inclusive, assumido a coordenação geral da décima edição em 2013, evento que reuniu cinco mil participantes. Organizou ou foi co-organizadora de coletâneas que reuniram textos apresentados durante alguns dos eventos do Fazendo Gênero. Colaborou com o intuito de expandir os diálogos sobre gênero e feminismos, através da sua atuação como coordenadora de GTs diversos, da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS, 2006 e 2007) e da Sociedade Brasileira de Sociologia, além da participação em eventos da Rede Brasileira de Ciência, Tecnologia e Gênero.

Coordenou vários  GTS sobre Gênero em várias edições do Congresso Internacional Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanidades, contribuindo para consolidar as parcerias com o PPGNEIM/UFBA (CONINTER, 2012, 2013, 2014 e 2015).  Tais eventos são promovidos pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais e Humanidades (ANINTER).

Como orientadora de TCCs, dissertações e teses, enfrentou muitos desafios para produzir conhecimento, com a honestidade intelectual e a corresponsabilidade, na formação de diferentes pesquisadores e pesquisadoras, que lhe são peculiares. Como mãe, professora e pesquisadora, precisou enfrentar a fragmentação do tempo, o cansaço e outros desafios implicados nas tarefas do cuidado, se esforçando – como milhares de mulheres – para dar conta das inúmeras exigências.

Recentemente, se desvinculou do PPGICH, pois, com o avanço da idade e os desafios impostos pelo contexto da pandemia, assumiu seus próprios limites e avaliou que era hora de diminuir o ritmo de trabalho, passando então a se dedicar apenas à co-coordenação da REF. Ela própria reflete a respeito deste aspecto, em entrevista para os Cadernos de Gênero e Tecnologia da UTFPR (vol. 13, n. 41, 2020), fonte onde é possível encontrar, com maiores detalhes, a maior parte das informações contidas nesta bionota.

Sugestões de obras da autora:

MINELLA, Luzinete S.; ASSIS, G. O.; FUNCK, S. B. (Org.) Políticas e Fronteiras. Desafios Feministas, Volume 2. 1ª ed. Tubarão, Santa Catarina: Copiart, 2014. v. 2. 522p

FUNCK, S. B.; MINELLA, Luzinete S. ; ASSIS, G. O. (Org.). Linguagens e Narrativas. Desafios Feministas, Volume 1. 1a ed. Tubarão, Santa Catarina: Copiart, 2014.v.1. 504p.

ASSIS, G. O. (Org.); MINELLA, Luzinete S. (Org.); FUNCK, S. B. (Org.). Entrelugares e Mobilidades. Desafios Feministas. Volume 3. 1a ed. Tubarão, Santa Catarina: Copiart, 2014. v. 3. 592p.

SARDENBERG, C.M.C.; MINELLA, Luzinete S. (Org.). Gênero e Ciências – mulheres em novos campos. 1a. ed. Salvador, Bahia: EdUFBA/NEIM, 2016. v. 1. 220p .

Artigos e demais publicações, “inclusive os vários números da Revista Estudos Feministas, dos quais participou da co-coordenação”, podem ser encontrados no currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4516809098194288

[1] Entre 2017 e 2021, atuou na cocoordenação editorial de quatorze números da Revista Estudos Feministas os quais se somam a vários outros anteriores.  Todos os números estão disponíveis em vários Portais, incluindo www.scielo.br.