Luiz Werneck Vianna

Por Pedro Barboza (PPCIS-UERJ)

Nascido em 1938 no Rio de Janeiro, Luiz Jorge Werneck Vianna descende de uma família cujas origens remontam ao período áureo da economia cafeeira. À época de sua geração, a família já não usufruía de recursos pujantes, o que faz com que o próprio autor defina sua situação como um “desequilíbrio de status”. Foi criado no bairro de Ipanema, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e frequentou colégios de elite. Sua trajetória nessas instituições contou com percalços, chegando a uma expulsão, fruto da denúncia de pais de colegas seus por receio de possível “influência comunista”. Sua juventude foi acompanhada pelo hábito da leitura. Monteiro Lobato, Eça de Queiroz, Fiódor Dostoiévski e Miguel de Cervantes foram autores que marcaram sua trajetória, permitindo que construísse já nessa fase uma inclinação pelos valores humanistas que perpassam toda sua história.

Em 1958, ingressou na faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ), concluindo o curso em 1962. Dois anos antes, um marco em sua vida: a entrada para o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Werneck definiu essa experiência como uma “universidade viva”. Em 1964 iniciou a segunda graduação, em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este também é o ano que irrompeu no país o golpe civil-militar. À época, Werneck estava envolvido em um movimento que caracterizou como um “momento luminoso em minha vida”: sua atuação no Centro Popular de Cultura (CPC), instituição criada em 1962 por intelectuais de esquerda em associação com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1967 graduou-se em Ciências Sociais e, dois anos após, ingressou na primeira turma de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Neste momento sua trajetória foi interrompida pela perseguição sofrida pelo regime – Werneck chegou a responder cinco inquéritos policiais-militares. Em fins de 1970 partiu para o exílio no Chile. Retornou um ano após, e, tão logo pisou em solo brasileiro, foi detido por seis meses.

Após sair da cadeia foi acolhido em São Paulo. Sob orientação de Francisco Weffort, iniciou seu doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e começou a trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Suas atividades no PCB também continuavam, ao integrar um grupo de intelectuais que se dedicavam ao estudo da obra de Karl Marx. Em 1974, este grupo foi à União Soviética fazer um curso teórico na “Escola de Quadros” com o professor Anastacio Mansilla, importante referência teórica dentro do Partido Comunista soviético à época. Nesse mesmo ano Werneck redigiu com outros intelectuais o programa político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – à época o único partido legalmente instituído de oposição ao regime ditatorial. Em 1975, fugindo da repressão ao PCB em São Paulo, retornou ao Rio de Janeiro e, escondido na casa do dramaturgo Paulo Pontes, companheiro da época de CPC, escreveu sua tese.

Luiz Werneck Vianna atuou em mais de uma dezena de instituições universitárias pelo país. Por três décadas foi professor do IUPERJ e, durante o biênio 2003-2004, presidiu a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Atualmente é professor do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e contribui em diversos veículos de comunicação com refinadas análises de conjuntura. Suas produções têm como foco múltiplas áreas de interesse das Ciências Sociais: pensamento social brasileiro, intelectuais e modernização do Brasil, institucionalização das Ciências Sociais, relações entre sociedade e Direito e o funcionamento do poder judiciário. Seus escritos primam por aliar um forte compromisso com a atuação na esfera pública, sem abrir mão do rigor acadêmico. A produção intelectual de Werneck é um registro do comprometimento das Ciências Sociais com os dilemas que se descortinam no país em sua trajetória enquanto uma nação que se quer democrática.

O sentido autoritário e continuísta da modernização brasileira

Uma das contribuições mais marcantes de Werneck às Ciências Sociais brasileiras é seu livro, fruto de sua tese, Liberalismo e Sindicato no Brasil. Essa obra não está desvinculada do contexto intelectual da época. Como o próprio Werneck descreve, esse momento é marcado por uma “literatura de escavação profunda”. O que estava a ser escavado era o Brasil e as características peculiares de seu processo de modernização. Como exemplos de produção nesse viés podem ser tomados São Paulo e o Estado Nacional, de Simon Schwartzman (1973); A Revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica, de Florestan Fernandes (1975) e A construção da ordem: a Elite Política Imperial, de José Murilo de Carvalho (1980).

A despeito de diferentes abordagens e referenciais teóricos, essas obras possuíam como aspecto marcante o desejo de compreender as etapas e as características do processo de modernização de caráter conservador em marcha no país. Diferentemente de explicações anteriores, essa nova perspectiva interpretativa compreendia que a modernização brasileira não significava ruptura e desaparecimento das elites tradicionais. Antes, esse processo rumo ao moderno representaria um novo cenário onde esses grupos dirigentes renovariam e aprofundariam sua participação no comando da nação. É nessa chave que a obra de Werneck se insere, com a particularidade de direcionar o olhar analítico menos para as relações de dependência que eram produzidas externamente do que para os processos endógenos históricos de formação de nossas elites. Tendo grandes referências teóricas em Lênin, Antonio Gramsci e Barrington Moore JR, Werneck analisou como a revolução burguesa no Brasil fora obra de uma elite agrária. Desse modo, ocorreu a conservação de uma elite tradicional, sob o protagonismo agora de um novo grupo dirigente: moderno, urbano e industrial.

Nessa discussão sobre as características de nosso processo de modernização, o autor também destacou como a política direcionada aos setores subalternizados da sociedade era introduzida através de assujeitamento sob via corporativa com a concessão de direitos pelo Estado. Esse é um aspecto da introdução de um liberalismo “feito por cima”, numa sociedade marcada sob o jugo do escravismo e do patrimonialismo. Numa realidade tal, pouco afeita aos valores liberais, essa entrada acontece pelo caminho do Direito e de suas instituições. Esse processo não é pleno e nem pacífico, contando necessariamente com intensas negociações com sistemas de mando anteriores. Sob o prisma da análise de Werneck, é desse modo que se deu o processo de modernização autoritária brasileira: o moderno sendo introduzido e negociado a todo instante com a cultura do atraso, não rompendo com este, mas em compromisso com. Diferentemente de outras interpretações analíticas onde o enfrentamento com a natureza do capitalismo autoritário brasileiro se daria necessariamente pela via da violência revolucionária, Werneck aposta na luta política pelas liberdades engendradas de maneira comprometida pela sociedade civil enquanto uma resposta a esse cenário autocrático. O compromisso com a política é, uma vez mais, radical. Este compromisso de efetiva democratização da vida nacional pavimentada por intensa atividade política é uma marca de toda produção e atuação de Luiz Werneck Vianna.

Sugestões de obras do autor

VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997.

VIANNA, Luiz Werneck. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. [em parceria com Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos]. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

VIANNA, Luiz Werneck. Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

VIANNA, Luiz Werneck. Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna. Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Orgs.). Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012.