Luiz Antonio Machado da Silva

Marcella Araujo (DS/IFCS/UFRJ)

Luiz Antonio Machado da Silva nasceu em 19 de agosto de 1941.

Em 1961, ingressou no curso de graduação em Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Como dizia, soube do vestibular por Otávio Velho, em um dia que se encontraram na saída da praia de Copacabana. Contava, assim, como mero acaso, que tivesse entrado para o mundo das Ciências Sociais. Entre 1962-1963, Machado fez um curso de especialização na Universidade Federal da Bahia, sob orientação de Maria de Azevedo Brandão. Lá conheceu Thales de Azevedo e aprendeu a fazer trabalho de campo.

Formou-se em 1964, ano do golpe militar. Trabalhando em programas de “melhoramento de favelas” do Estado da Guanabara, começou a circular pelas favelas do Rio de Janeiro, onde, em 1966, conheceu Anthony Leeds, antropólogo americano que veio a ser seu grande mentor intelectual. A partir do trabalho de campo e dos diálogos com Tony, como chamava o amigo, escreveu um dos primeiros e ainda hoje mais importantes artigos sobre favelas, A política na favela, originalmente publicado nos Cadernos Brasileiros, em 1967, e republicado na Dilemas – Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, em 2011. Em 1968, no governo Negrão de Lima, em uma das mais importantes experiências de “melhoramento de favelas” da época, conheceu o arquiteto, e posteriormente antropólogo, Carlos Nelson Ferreira dos Santos, na realização das obras da Companhia de Desenvolvimento de Comunidades, a Codesco, em Brás de Pina.

Em 1969, Machado ingressou na segunda turma de mestrado em Antropologia Social do Museu Nacional. Cursou a primeira disciplina de Antropologia Urbana do programa, ministrada por Anthony Leeds, ao lado da colega de PUC Licia Valladares, de Gilberto Velho e de Alba Zaluar. Seus já mais de cinco anos percorrendo favelas no Rio de Janeiro haviam-no feito atentar para a questão da “marginalidade urbana”, em intensa discussão à época e, como diria mais tarde, “desde sempre e para sempre seu principal interesse”. Discutir as formas de trabalho a partir da perspectiva dos próprios trabalhadores não significava um deslocamento na sua trajetória. Como Machado escreveu no artigo “A continuidade do problema da favela” (2002), a “raiz estrutural do problema da favela” é exatamente a dissociação entre as discussões sobre moradia e trabalho. Na dissertação, escrita sob a orientação de Roger Walker, Machado modelizou as experiências de dezenas de trabalhadores que conheceu ao longo dos anos em dois mercados, um formalizado e outro não formalizado. Acentuando o vínculo com os patrões, fossem eles reconhecidos juridicamente como tais, fossem clientes contratantes da mão de obra dos trabalhadores, Machado partiu das relações de trabalho empíricas para a análise das dinâmicas de obtenção e permanência no mercado de trabalho. Sem incorrer em armadilhas conceituais, legais ou estatísticas, identificou um “continuum de empregos” formalizados e não formalizados. Ao contrário dos debates da época sobre “setores” formais e informais, ele demonstrou trânsitos e articulações entre formas de trabalho assalariado e por conta própria. Sua dissertação, intitulada Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade, foi defendida em 1971, mas só saiu publicada no livro O mundo popular: trabalho e condições de vida (Machado da Silva, 2018).

Em 1972, com a mediação de Roberto Cardoso de Oliveira, Machado conseguiu uma bolsa de estudos na Rutgers – The State University of New Jersey, para estudar com Irving Horowitz. Após cumprir os créditos das disciplinas, voltou ao Brasil, em 1974, quando foi convidado a integrar o corpo de professores do nascente Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, o Iuperj. Naqueles meados dos anos 1970, participou do Projeto Emprego e Mudança Sócio-Econômica no Nordeste, coordenado por seu colega de Museu Nacional e amigo pessoal, Moacir Palmeira. Da equipe, faziam parte também José Sergio Leite Lopes, Maria Rosilene Alvim, Afrânio Garcia, Marie-France Garcia Parpet, Lygia Sigaud e Beatriz Heredia, entre outros importantes antropólogos e sociólogos brasileiros. Em seu arquivo pessoal, Machado conservou cópias dos relatórios do grupo, documentos cujos originais foram perdidos no lamentável incêndio do Museu Nacional, em 02 de setembro de 2018. Em meio às atividades de pesquisa sobre trabalho no Nordeste, Machado coordenou ainda uma pesquisa, “Estratos Ocupacionais de Baixa Renda”, entre outras (“A Ecologia do Crime”, de Edmundo Campos Coelho, por exemplo) que receberam financiamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e da Comissão Nacional de Justiça e Paz, em 1978. Achados dessas pesquisas e das muitas e longas circulações de Machado entre as camadas populares urbanas do Nordeste resultaram em sua tese de doutorado, Lower Class Life Strategies: A Case Study of Working Families in Recife’s (Brazil) Metropolitan Area, defendida em 1979 e que, curiosamente, Machado não deixava ninguém ler.

Em 1986, Machado ingressou como professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre 1988 e 2011, ano da sua aposentadoria, foi professor do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia – a incorporação da segunda disciplina feita em 1998. Ao lado de colegas como Elina Pessanha, Bila Sorj, Alice Abreu, José Ricardo Ramalho e Regina Novaes, participou da pesquisa O trabalhador carioca, publicado em livro em 1994. No Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, foi pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu), coordenado pelo ex-orientando, colega de departamento e amigo Michel Misse, e do Laboratório de Estudos Metropolitanos (LeMetro), coordenado por Marco Antonio da Silva Mello (Departamento de Antropologia Cultural).

Nos anos 1980, Machado realizou contribuições valiosas aos estudos urbanos, como a coordenação do Grupo de Trabalho sobre Movimentos Sociais Urbanos, nos encontros anuais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Ciências Sociais. Insatisfeito com a importação acrítica das discussões que Manuel Castells então fazia sobre as “lutas urbanas”, ao lado de Ana Clara Torres Ribeiro e Alicia Ziccardi, Machado problematizou até que ponto as organizações de bairros e favelas, efervescentes naqueles anos de transição democrática, reivindicavam equipamentos de consumo coletivo. Findas décadas de remoções, os moradores das periferias brasileiras conseguiam nada mais do que o direito de permanência em suas casas autoconstruídas. Pessimista, como sempre disse ter sido, com o potencial político da organização popular, Machado via no fim da política de remoções e no início das políticas de urbanização a reprodução de um “controle negociado”, em que moradores de favelas eram integrados de modo subalternizado (Machado da Silva, 2002).

Na virada dos anos 1990, Machado atentou para um fenômeno social que ocupava, cada vez mais, a atenção da opinião pública: a violência urbana (Machado, 1993). Ao contrário das expectativas emancipatórias de muitos cientistas sociais e lideranças políticas, nas favelas dos anos 1980 se organizou um novo ator do mundo do crime: a criminalidade violenta. A grande diferença desse fenômeno era a representação da violência urbana como um mapa de orientação para atores ordinários e especialistas. As inflexões cotidianas promovidas pela aglutinação de atores criminais em torno do tráfico de drogas e a assunção da violência como representação orientadora da ação geraram importantes pesquisas, como as reunidas no livro Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro (Machado da Silva, 2008), coletânea que conta com artigos de pesquisadores do Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade, o Cevis, que Machado coordenava no Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Após uma década de pesquisa empírica e reflexão teórica, Machado propôs pensar a formação de uma “sociabilidade violenta” como uma forma de vida própria (Machado, 2004). O conceito foi amplamente criticado e, recentemente, em uma de suas últimas publicações em vida, “(Des)Continuidades na experiência da “vida sob cerco” e da “sociabilidade violenta”, escrito em coautoria com sua querida ex-orientanda e hoje professora do Iesp/Uerj, Palloma Menezes, Machado reelaborou o conceito, reconhecendo a racionalização do uso da força entre os portadores da sociabilidade violenta (Machado da Silva & Menezes, 2019).

Machado faleceu em 21 de setembro de 2020, em decorrência de complicações que a Covid-19 causaram em seu corpo já muito debilitado. Partiu deixando um legado intelectual incomensurável para os mais de 300 pesquisadores de cujas bancas participou e para os milhares de alunos que tiveram o prazer de conhecê-lo em sala de aula, ao longo de mais de 50 anos de docência. Suas contribuições, reconhecidas e celebradas em vida, lhe renderam, em 2016, o Prêmio de Excelência Acadêmica Antonio Flavio Pierucci, da Anpocs, e, em 2018, um emocionante seminário de homenagem no Iesp/Uerj.

Sugestões de obras do autor:

ABREU, Alice (org.). O trabalhador carioca: estudos sobre trabalhadores urbanos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: JC Editora, 1994.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (1967), “A política na favela”. Cadernos Brasileiros, ano IX, no 41, pp. 35-47.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (1971), Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade. Dissertação (mestrado), PPGAS, MN, UFRJ.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (1993), “Violência urbana: representação de uma ordem social”. Cadernos de Sociologia, Vol. 1, pp. 145-155.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (2002), A continuidade do problema da favela. Em: OLIVEIRA, Lucia Lippi (org). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro, Editora FGV/CNPq, pp. 220-237.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (2004), “Sociabilidade violenta: Por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano”. RIBEIRO, Luiz Cesar Queiroz (org). Metrópoles: Entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, pp. 291-351.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (org. 2008) Vida sob cerco: Violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (2018). O Mundo popular: trabalho e condições de vida. Organização Mariana Cavalcanti, Eugênia Motta e Marcella Araujo. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.

MACHADO DA SILVA, LUIZ ANTONIO; MENEZES, PALLOMA VALLE (2019). (Des)Continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’. Novos estud. CEBRAP, São Paulo , v. 38, n. 3, p. 529-551, Dezembro.