Lucila Herrmann

Por Odil Matheus Fontella (GEEO/PUCRS)

A socióloga Lucila Herrmann nasceu em São Carlos (SP), em 1902, e morreu, na mesma cidade, em 1955. Lucila é nome fundamental a ser resgatado por três áreas da Sociologia no Brasil: Urbana, Histórica e, especialmente, Econômica.

Alguns dados sobre a formação acadêmica dessa pioneira da Sociologia Econômica no país: em 1938 – Bacharel em Ciências Sociais e Políticas pela FFCL-USP; em 1940 – Licenciada em Didática pela FFCL-USP; em 1946 – Mestre em Ciências em 1946 (com uma dissertação sobre Organização Social dos Índios Vapidiana); em 1945 – Doutora (tese: Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num Período de Trezentos Anos). Lucila é assistente do sociólogo e antropólogo francês Roger Bastide na FFCL, chefe de pesquisas envolvendo alunos de graduação na mesma instituição e professora de Sociologia na Escola Normal de Guaratinguetá (SP). Ela assume, em 1947, a chefia do setor de pesquisas sociais do Instituto de Administração da Universidade de São Paulo.

Entre 1938 e 1954, Lucila aborda diversas temáticas, sejam diacrônicas (históricas), sejam sincrônicas (contemporâneas), do Estado de São Paulo, privilegiando igualmente a análise do espaço (aspectos geográficos): a árdua e tocante realidade do trabalho infantil em Guaratinguetá, município sobre o qual examina também seus ciclos econômicos e a influência desses sobre a formação e a mudança de classes sociais; a industrialização, urbanização e infraestrutura viária da cidade de São Paulo; o desenvolvimento desigual do Estado de São Paulo em atividades agrícolas e industriais, com atenção a distintos aspectos, tais como capitais investidos, produção e rendimentos obtidos, questões fiscais e administrativas e diferenças socioeconômicas intra e intermunicipais; a rotatividade (turnover) de mão-de-obra, ora na indústria têxtil, ora em uma companhia de aviação comercial (a Panair), sendo nessa área de estudo uma autora igualmente desbravadora na Sociologia Econômica produzida no Brasil, ao lado de Fernando de Azevedo e de Szmul Jakob Goldberg, ou Kuba Goldberg; outra área de atuação pioneira de Lucila trata de organização do trabalho e administração, aqui com acompanhamento muito próximo do sociólogo Mario Wagner Vieira da Cunha.

Lucila Herrmann é autora de intensa orientação empírica, com emprego de diversos métodos (histórico-documental, estatístico, etnográfico) e técnicas de pesquisa (entrevistas, questionários, observação, dados censitários, cartografia, fotografia). Lucila também embasa suas pesquisas em amplas fontes teóricas e epistemológicas, com conhecimento explícito de diversas correntes sociológicas, entre as quais a Escola Durkheimiana (Émile Durkheim, Maurice Halbwachs, Marcel Mauss e, notadamente, François Simiand) e a Escola de Chicago e a abordagem da Ecologia Humana e Social (Robert Ezra Park). Observa-se que em 2017 foi republicado em revista estudo de Lucila Herrmann sobre o denominado método ecológico, aqui com influência não apenas de Park, mas também de outro sociólogo norte-americano, Donald Pierson, que trabalhou por diversos anos no Brasil.

Entre os diversos artigos, estudos, palestras e comunicações que Lucila Herrmann publica, individualmente ou em colaboração, estão: O Trabalho Infantil em Guaratinguetá (1940); Alterações da Estrutura Demográfico-Profissional de São Paulo – da Capital e do Interior – num Período de Catorze Anos – 1920-1934 (1943, com introdução de Roger Bastide); Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num Período de Trezentos Anos (1948, tese editada na íntegra na Revista de Administração, publicação da USP, e que teve reedição fac-símile em 1986). Nesse último estudo citado, Lucila discorre sobre três séculos de economia em Guaratinguetá e indica quatro ciclos: Ciclo da Economia de Subsistência (1630-1775); Ciclo dos Engenhos (1775-1836); Ciclo do Café (1805-1920) e Ciclo Atual (1900-1944). Para cada ciclo, a autora analisa a evolução ecológica de Guaratinguetá (movimentos da população, desenvolvimento urbano e desenvolvimento rural), estrutura econômica, estrutura das famílias, estrutura política, composição da população e aspectos culturais da localidade paulista. A obra inclui vasta documentação histórica e variada bibliografia. Outros estudos de Lucila Herrmann aqui considerados são: Desenvolvimento Industrial dos Municípios Paulistas (1949); O “turnover” nos serviços de navegação aérea” (1951); Alguns Aspectos da Composição do Parque Industrial Têxtil de São Paulo (Capital) de 1944-45 a 1949 (1952, juntamente com Luiz Cunha Castro).

Além de destaque em atividades de pesquisa e de docência, Lucila Herrmann está entre os fundadores da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). Ela participa ativamente dos debates acadêmicos do I Congresso Brasileiro de Sociologia, em São Paulo, em 1954, e destacam-se dois temas abordados pela socióloga nesse evento histórico: o papel fundamental da pesquisa no ensino de Sociologia para jovens (entre esses iniciados que treinou em pesquisa em Ciências Sociais estão Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso e Maria Sylvia de Carvalho Franco) e, no caso particular da Sociologia Econômica, Lucila volta a tratar da questão da mobilidade de mão-de-obra.

Neste resgate, recorda-se que Lucila Herrmann obtém reconhecimento acadêmico, em vida e postumamente, por figuras igualmente fundamentais da Sociologia Econômica no Brasil: os já citados Roger Bastide e Mario Wagner Vieira da Cunha, além de Emilio Willems, Antonio Candido, Oracy Nogueira e Florestan Fernandes. A essa lista, integram-se o antropólogo e médico Thales de Azevedo e o historiador norte-americano Warren Dean. Em março de 1955, mês de sua morte, o noticiário da revista Sociologia, fundada em 1939 por Romano Barreto e Emilio Willems, e que é a mais importante publicação dessa área no país até 1966, é de homenagem a Lucila Herrmann, lamentando sua perda para a Sociologia, em geral, e para a Sociologia Econômica, em particular. Já Antonio Candido (1958[1954]) a considera como autora pioneira de estudos sociológicos, de base estatística ou econômica ou ambas, sobre urbanização. Conforme diversas reportagens do jornal Correio Paulistano, Lucila Herrmann também participa ativamente, nos anos 1940, da União Universitária Feminina de São Paulo e do Movimento Feminino Brasileiro.

Sugestões de obras da autora:

HERRMANN, Lucila; MUSSOLINI, Gioconda; ORTIZ, Nair; PAIVA, Cecília Castro; FREITAS, Rita de. Alterações da Estrutura Demográfico-Profissional de São Paulo – da Capital e do Interior – Num Período de Catorze Anos – 1920-1934. Revista do Arquivo Municipal, 89, 1943, p.7-104.

HERRMANN, Lucila. Estudo do Desenvolvimento de S. Paulo através da Análise de uma Radial: – A Estrada do Café (1935). Revista do Arquivo Municipal, Ano X, Volume XCIX, Novembro-Dezembro 1944, p.7-44.

HERRMANN, Lucila. Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num Período de Trezentos Anos. Revista de Administração, Ano II, Números 5-6, Março-Junho de 1948, p.3-326.

HERRMANN, Lucila. Características da Evolução Agrícola dos Municípios Paulistas. Revista de Administração, Ano II, N.8, Dezembro de 1948, p.3-45.

HERRMANN, Lucila; CASTRO, Luiz Cunha. Alguns Aspectos da Composição do Parque Industrial Téxtil de São Paulo (Capital) de 1944-45 a 1949. Revista de Administração, Ano VI, NÚMEROS 21-22-23-24, Janeiro-Dezembro 1952, p.59-82.

HERRMANN, Lucila. O método ecológico em Sociologia. RBSE Revista Brasileira
de Sociologia da Emoção, v. 16, n. 48, p. 149-165, dezembro de 2017 (Publicado originalmente em Sociologia. Revista didática e científica, v. 1, n. 3, p. 106-133, agosto de 1939).