José Vicente Tavares dos Santos

Selena Comerlato Tavares (UFRGS) e
GPVC (Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania, UFRGS)

José Vicente nasceu em Paris, em 29 de janeiro de 1949, sendo o mais novo de seis filhos, três homens e três mulheres. Seu pai, Rosauro Tavares, advogado, e sua mãe, Ophélia Ortiz, descendente de uma família de fazendeiros tradicionais de Soledade/RS, junto de seus irmãos, migraram do interior do Rio Grande do Sul para a França em 1946. Deste ano até 1951, durante o governo Eurico Gaspar Dutra, Rosauro Tavares assumiu o cargo de gerente geral da Companhia de Navegação Lloyd, com sede em Paris. À época ele era filiado ao Partido Social Democrático (PSD) e havia sido preso por dois anos por participar da Revolução Constitucionalista de 1932. Com o retorno de Getúlio Vargas à presidência, a família voltou ao Brasil, vivendo por cinco anos no Rio de Janeiro e, posteriormente, em São Paulo, onde permaneceu de 1956 a 1962. Na capital paulista, além de acompanhar seu pai nas reuniões do diretório do Partido Social Progressista (PSP), o menino José Vicente frequentou cinemas, livrarias, a faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP), e acessou os livros da biblioteca paterna. Desde a infância sempre leu muito, seguindo a prática e o incentivo familiares.

Com o falecimento do pai, em 1963, quando tinha catorze anos, a família mudou-se para Porto Alegre. José Vicente ingressou no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, àquela época uma escola pública de grande prestígio e formadora da elite política gaúcha. Membro do grêmio estudantil do “Julinho” e participante de uma mobilização contra a postura autoritária do diretor da escola, ele foi expulso no penúltimo ano do ensino médio. Assim, concluiu o terceiro “clássico” noturno em uma escola municipal em 1966, aos dezessete anos de idade, quando já trabalhava como auxiliar de escritório. Conforme declarou em entrevista (BASTOS et al., 2006), foi a inserção no movimento estudantil secundarista que o atraiu para a questão social.

Em 1967 foi aprovado no concurso vestibular para ingresso na UFRGS em dois cursos: o de Direito e o de Ciências Sociais. Naquele ano cursou-os simultaneamente, mas depois desligou-se do primeiro. Em sua trajetória universitária engajou-se no movimento estudantil, na luta contra a ditadura civil-militar e na defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade. Participou da Associação Gaúcha dos Sociólogos, a partir da qual conheceu vários professores da USP: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, José de Souza Martins, Marialice Foracchi, dentre outros.

Graduou-se como cientista social pela UFRGS (1971), mestre em Sociologia pela USP (1977), com a dissertação “Colonos do Vinho”, orientada por José de Souza Martins, e “Docteur d’État en Sociologie” pela Université de Paris, Nanterre (França, 1987), com a tese “Matuchos, le rêve de la terre: Étude sur les processus de colonisation agricole et les luttes des paysans méridionaux au Brésil (1930-1984)”, orientada por Marcel Jollivet. Esta tese demarcou sua transição da questão agrária para as conflitualidades e as violências. Realizou o pós-doutorado na University of Cambridge (UCAM, Inglaterra, 2008). Desenvolveu pesquisa visitando escolas de polícia dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, visando conhecer as suas metodologias e currículos, bem como realizou seis missões científicas à China.

Na UFRGS também ocupou vários cargos de direção, dentre eles: Pró-reitor de Pesquisa, Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e Diretor do Instituto Latino-americano de Estudos Avançados (ILEA). Na representação universitária, foi membro do Conselho Universitário e presidente do Conselho Deliberativo da Fundação de Apoio à UFRGS (FAURGS). Foi presidente da Associação de Docentes da UFRGS (ADUFRGS) e, desde 2019, como diretor da entidade.

Manteve-se, também, sempre muito ativo junto às mais diversas associações científicas. Foi secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e dirigente de associações nacionais e internacionais de Ciências Sociais e Sociologia: presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS, 1998-2001) e da Asociación Latinoamericana de Sociología (ALAS), membro do Conselho Diretivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) e do Comitê Executivo da International Sociological Association (ISA).

Coordenou os seguintes grupos de pesquisa: Violência, Segurança e Cidadania (CLACSO), Research Committee Social Control and Deviance (RC29-ISA) e Violência e Cidadania (GPVC-UFRGS/CNPQ), do qual foi o idealizador e fundador. Orientou mais de cem trabalhos de conclusão de curso, na pós-graduação, especialização e graduação.

Atuou como consultor junto ao Governo do Rio Grande do Sul, à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, à Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP) e participou de comissões de assessoria no Ministério da Justiça (MJ). Entre 1995 e 2015 esteve à frente de várias edições do Curso de Especialização em Segurança Pública e Cidadania, promovido pelo MJ, com cerca de 500 especialistas concluintes, entre profissionais da segurança pública e membros de organizações sociais. Em paralelo, organizou inúmeros eventos científicos e publicou (individual ou coletivamente) vários livros e artigos, alguns dos quais constam em lista no final deste texto.

José Vicente Tavares dos Santos é um dos pioneiros do campo de estudos sobre as conflitualidades, as violências e a justiça criminal no Brasil (LIMA; RATTON, 2011), no qual criou uma linhagem de descendência acadêmica (FACHINETTO et al., 2020). Introduziu uma perspectiva qualificada sobre os processos de mundialização da violência e violência difusa, partindo das contribuições de Michel Foucault para dar conta da produção social da violência na vida cotidiana, especialmente no contexto latino-americano. Cunhou o termo “romance da violência” para designar e refletir sobre um novo gênero literário que abarca a crítica literária e sociológica do romance policial.

Sugestões de obras do autor:

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente. Matuchos: Exclusão e Luta, do Sul para a Amazônia Ocidental. Petrópolis: Vozes, 1993.

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente (Org.). Violência em tempo de globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente et al. Violência e cidadania: práticas sociológicas e compromisso social. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2011. (Disponível no Scielo: http://books.scielo.org/id/ycrrp )

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente et al. A mundialização da sociologia contemporânea: diálogos entre as sociologias na América Latina, na Índia e na China. Sociedade e Estado, v. 30, p. 243-265, 2015.

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente et al. (Org.). Violência, segurança e política: processos e figurações. Porto Alegre: Tomo, 2019.

TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente. O romance da violência: sociologia das metamorfoses do romance policial. Porto Alegre: Tomo, 2020.

Sugestões de leitura sobre o autor:

BASTOS, Elide R. et al. Vicente Tavares dos Santos. In: Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 375-390.

FACHINETTO, Rochele F. et al. As linhagens de descendência acadêmica dos pesquisadores “pioneiros” nos estudos sobre violência, crime e justiça criminal no Brasil (1970-2018). BIB, São Paulo, n. 91, p. 1-39, 2020.

LIMA, Renato S.; RATTON, José L. (Org.). As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos no Brasil. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Urbania; ANPOCS, 2011.