Hiroshi Saito

Por Gustavo Takeshi Taniguti

Hiroshi Saito foi o primeiro imigrante japonês a fazer carreira na sociologia brasileira. Grande parte de seus estudos foi dedicada ao tema da imigração, privilegiando a utilização da abordagem cultural-assimilacionista desenvolvida no Brasil por seus professores Donald Pierson e Emílio Willems. A partir dos anos 1950, Hiroshi fez parte de um circuito profissional envolvendo acadêmicos e instituições do Japão, Brasil e Estados Unidos. Essa característica transnacional da sua trajetória resultou em uma obra singular, que contribuiu em definitivo para o desenvolvimento dos estudos migratórios nas Ciências Sociais brasileiras.

Hiroshi nasceu em 2 de janeiro de 1919 na cidade de Miyazaki, Japão, onde estudou até a segunda série ginasial. Em 1932, aos quatorze anos de idade, emigrou para o Brasil junto de sua família, desembarcando em Santos (SP) no dia 11 de janeiro de 1933 a bordo do navio Africa Maru. Inicialmente, trabalhou na fazenda de café Serra Azul, localizada em Ribeirão Preto (SP). Em pouco tempo, Hiroshi deixou a lavoura para estudar na Escola Técnica Agrícola M’Boy, na cidade de São Paulo. A instituição havia sido planejada pelo governo japonês e visava a formação de lideranças com perfil técnico para auxiliar as colônias agrícolas de imigrantes. Ali, estudou por três anos, alcançou a fluência na língua portuguesa e destacou-se como excelente aluno.

Em 1936, aos 17 anos, Hiroshi passou a trabalhar como redator em revistas agrícolas. Em 1941, sua mãe faleceu e isso o fez retornar à lavoura familiar de algodão estabelecida em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), onde trabalhou até 1943, quando seu pai faleceu. A partir de então, fixa residência em São Paulo e passa a trabalhar na Câmara de Indústria e Comércio do Japão. O rompimento das relações diplomáticas do Brasil com os países do Eixo e a posterior declaração de guerra ao Japão trouxeram inúmeras dificuldades para a vida cotidiana de Hiroshi, que assistiu ao fechamento da Câmara. Naqueles anos, ele também foi detido por falar a língua japonesa em público.

A vida na capital paulista abriu caminhos para que Hiroshi estabelecesse contato com imigrantes de classe média e alta, empresários, comerciantes, artistas, diplomatas e profissionais liberais. Logo após o fim da guerra, ao lado das principais lideranças japonesas da época, fez parte de um movimento civil organizado, dedicado a esclarecer a derrota japonesa no conflito. Em 1946, integrou o grupo Doyokai (Grupo do Sábado), que reunia intelectuais japoneses de São Paulo com o objetivo de discutir a situação de seus compatriotas no Brasil.

Hiroshi também participou do ressurgimento da imprensa japonesa e se tornou cada vez mais conhecido no debate público. Em 1947, começou a trabalhar no Jornal Paulista e ingressou no curso de Bacharelado em Ciências Políticas e Sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). Nesta instituição, teve contato com importantes nomes das Ciências Sociais da época, como o sociólogo estadunidense Donald Pierson e o antropólogo e sociólogo alemão Emílio Willems, com quem publicou seu primeiro artigo acadêmico na revista Sociologia.

Entre 1952 e 1953, Hiroshi foi assistente de pesquisa do antropólogo japonês Seiichi Izumi, que veio ao Brasil para realizar uma pesquisa patrocinada pela UNESCO. No ano seguinte, ingressou no mestrado em ciências sociais na ELSP sob orientação de Donald Pierson. Sua dissertação, intitulada O Cooperativismo e a Comunidade: caso da Cooperativa Agrícola de Cotia (1964), foi dedicada a investigar a “transplantação cultural” de uma grande empresa agrícola fundada por imigrantes no Brasil. Em 1957, após o mestrado, ocupou o cargo de Professor Associado de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Kobe, no Japão. Ali, obteve o título de doutor em economia. Sua tese, publicada com o título O Japonês no Brasil (1961), investigou a mobilidade e a fixação de imigrantes japoneses na sociedade brasileira.

De volta ao Brasil, Hiroshi dirigiu a Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais da ELSP (1961-1964) e lecionou nas seguintes instituições: Universidade Católica de São Paulo (1963-1964), Universidade de Flórida, Gainesville (1966) e Faculdade Municipal de Ciências Econômicas de Osasco (1967-1969). Até seus últimos dias, foi docente da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde ingressou em 1969.

Hiroshi Saito faleceu em dia 31 de outubro de 1983. Até então, atuava como docente da USP, Diretor do Centro de Estudos Nipo-Brasileiros e Diretor da Associação dos Naturais da Província de Miyazaki. Nos anos 1970, assessorou a implantação do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Tsukuba, no Japão. Também foi um dos responsáveis pela criação do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, sendo seu primeiro diretor (1978-1983). Seu livro “Japoneses que se tornaram estrangeiros” (1978) foi premiado pelo Clube dos Ensaístas do Japão. Seu acervo pessoal composto por livros, notas, fichas e cadernos de campo, é hoje preservado pela biblioteca da Universidade de Brown, nos Estados Unidos.

A trajetória profissional de Hiroshi Saito acompanhou os impasses vividos pela coletividade japonesa em meados do século vinte no Brasil. Na condição de imigrante e ex-trabalhador rural, o sociólogo conviveu com prisões arbitrárias, assim como sofreu com preconceito e perseguição motivados por nacionalismos. Por meio de uma sociologia engajada, de viés assimilacionista e antirracista, construiu caminhos certamente pacíficos para a interpretação das relações étnico-raciais e da mobilidade de imigrantes na sociedade brasileira.

Sugestões de obras do autor:

SAITO, Hiroshi; IZUMI, Seiichi. “Pesquisa sobre a aculturação dos japoneses no Brasil”. Sociologia: revista dedicada à teoria e pesquisa nas Ciências Sociais. Escola de Sociologia e Política de São Paulo, v. 15, n. 3, p. 195 – 209, ago. 1953.

SAITO, Hiroshi. MAEYAMA, Takashi (Orgs.). Assimilação e integração dos japoneses no Brasil. Edusp, 1973, 558p.

SAITO, Hiroshi. “O suicídio entre os imigrantes japoneses e seus descendentes no Estado de São Paulo”. Sociologia: revista dedicada à teoria e pesquisa nas Ciências Sociais. Escola de Sociologia e Política de São Paulo, v. 15, n. 2, p. 109 – 130, maio. 1953.

SAITO, Hiroshi. O Japonês no Brasil: estudo de mobilidade e fixação. São Paulo, ed. Sociologia e Política, 1961, 238p.

SAITO, Hiroshi. O cooperativismo e a comunidade. Caso da Cooperativa Agrícola de Cotia. Ed. Sociologia e Política, Fundação Escola de Sociologia e Política de S. Paulo, 1964, 205p.

SAITO, Hiroshi (Org). A Presença Japonesa no Brasil. Editora Universidade de São Paulo, 1980, 243p.

WILLEMS, Emílio; SAITO, Hiroshi. “Shindô-Renmei: um problema de aculturação”. Sociologia: revista didática e científica. São Paulo, v. 9, n. 2, p. 133 – 152, 1947.

Sobre o autor:

CASTRO, Marco Luiz de. Entre o Japão e o Brasil: a construção da nacionalidade na trajetória da vida de Hiroshi Saito. Dissertação (mestrado), Campinas, Unicamp, 1994, 240p.

TANIGUTI, Gustavo. JESUS, Matheus. « Sociologie de l`immigrant: Hiroshi Saito et l´institutionalisation des études sur les Japonais du Brésil (1940-1960) ». Brésil (s), v. 2, p. 201-224, 2012.