Guaraci Adeodato Alves de Souza

Por Anete B. L. Ivo (UFBA)

Guaraci Adeodato Alves de Souza foi uma das pioneiras na constituição da Demografia como área disciplinar em nosso país, em sua interface com as Ciências Sociais. Suas pesquisas dedicaram-se aos temas da migração e força de trabalho, urbanização e desenvolvimento e, desde os anos noventa, ao estudo das interconexões entre fecundidade e família, articulando os processos de fecundidade à sucessão das gerações nas famílias. Ela foi responsável pela institucionalização do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades – CRH, da Universidade Federal da Bahia como centro de pesquisas acadêmicas e, pelo seu empenho, a Demografia passou a disciplina do curso de Ciências Sociais da UFBA, contribuindo para a formação de quadros acadêmicos e técnicos nos estudos sociodemográficos, na Bahia.

Nasceu em 27 de maio de 1942, em Salvador, numa família de longa tradição acadêmica e universitária[1] e teve uma formação absolutamente interdisciplinar: graduação em Serviço Social pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL (1965); Mestrado em Economia, pela Universidade Federal da Bahia (1976); e Doutorado em Ciências Sociais, pela UNICAMP (1996). Realizou uma primeira especialização em estudo para o desenvolvimento (1967-1968)no IRFED – França (Institut Internacional de Recherche et Formation Education et Dévellopement)e prosseguiu os estudos sobre população no curso sobre Dinâmica Populacional, pela Universidade de São Paulo- USP (1969) e no Curso em Demografia, pelo Centro Latino Americano de População (1971).

Ingressou na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1969 para compor a primeira equipe do então Programa de Recursos Humanos, contratada por Convênio, e logo em 1973 realizou o concurso para docente do departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, na disciplina Demografia, aposentando-se em 2006. Dirigiu o CRH/FFCH/UFBA por quase dez anos, entre 1972 e 1994, em mandatos alternados, assumindo com vigor a luta pela institucionalização do Centro e a sua defesa em períodos de incerteza institucional, bem explicitada na Nota do CRH.

É autora de uma produção acadêmica relevante nos estudos sociodemográficos.Sua dissertação de mestrado – Migração e Subemprego em Salvador – recebeu prêmio da ANPEC – Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia, incluída entre as “melhores dissertações de 1977”, publicada, em 1978, pela CPE-Seplantec. Um dos seus trabalhos de maior repercussão nacional é o livro “Bahia de todos os pobres” (CEBRAP/Vozes, 1980), que organizou com Vilmar Faria, sobre a natureza do desenvolvimento capitalista na periferia de uma sociedade dependente, com apresentação de Francisco de Oliveira.

Sua tese de doutorado, Sucessão das Gerações na Bahia: reencontro de uma totalidade esquecida (1995), com orientação de Maria Coleta Oliveira,caracteriza-se como uma complexa construção teórica que interpretava a reprodução demográfica no âmbito de um processo social e histórico, conforme Bilac (ABEP, 2014). Considero que esse esforço teórico e analítico visou a desnaturalizar os constructos quantitativos dos indicadores demográficos, explicitando os determinantes da reprodução biológica e sociocultural e as práticas sociais dos ciclos reprodutivos das famílias e das gerações (cf. IVO, 2014).

Um dos seus últimos trabalhos foi a organização do dossiê “Novas Perspectivas Sociodemográficas” – Caderno do CRH, 18 (43), 2005-, que combina contribuições sobre mudanças sociodemográficas de grande amplitude, que apontam para possibilidades quanto ao futuro, com artigos mais associados à Demografia como Ciência Social, observando, num plano analítico e relacional, os processos movidos e vivenciados pelos atores e intrínsecos à vida social.

Com uma personalidade contundente e “polemista por natureza, celebrizou-se por suas discussões na imprensa falada e escrita com o médico baiano Elsimar Coutinho. Nesses debates, defendia o princípio da liberdade do casal no planejamento familiar, do direito ao desejo pelos filhos e pela quantidade deles, e do planejamento subordinado a esse desejo e não a influências outras, tais como o Estado ou grupos sociais.Ao mesmo tempo, questionava os impactos macroestruturais de uma queda orquestrada da fecundidade que não levasse em conta a realidade do país assim como o desejo dos casais e das pessoas. (ABEP, 2014).

Guaraci A. de Souza, por sua responsabilidade social e pública, fomentou importante interface das pesquisas universitárias realizadas no Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades – CRH com instituições de planejamento do estado da Bahia (SEI – SEPLAN), de que é exemplo o Laboratório de Análises Sociodemográficas – LAS (2001), mantendo, simultaneamente, colaborações acadêmicas duradouras com a ABEP – Associação Brasileira de Estudos Populacionais, com o NEPO – Centro de Núcleo de Estudos de População da UNICAMP e com o CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais. No âmbito das Ciências Sociais, coordenou um dos GT sobre Família na ANPOCS – Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em Ciências Sociais.

Sugestões de obras sobre a autora

ABEP – Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Nota da ABEP. Caderno CRH, n. 72, p. 657-658, 2014 e http://www.abep.org.br/site/index.php/homenagens/85-guaraci-adeodato

CRH- Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades.Entusiasmo e Constância: para lembrar Guaraci. Caderno CRH, v. 72, p. 656, 2014. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792014000300015&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

IVO, Anete B.L. A Sucessão de gerações: fechando um ciclo da vida. Caderno CRH, v. 27, n. 72, p.651-655, 2014. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792014000300015&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

MOURA, Mariluce. Guaraci e a Demografia na Bahia. Bahiaciencia, Salvador, n.4, p. 10-11, jul/agosto de 2015. Disponível em: http://www.bahiaciencia.com.br


[1] Seu avô paterno, José Adeodato de Souza, foi catedrático de Obstetrícia e Ginecologia da antiga Faculdade de Medicina da Bahia (1901), e o seu pai José Adeodato Filho foi também catedrático de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, desde 1951. Foi casada por mais de 4 décadas com Mirabeau Levi de Souza, pesquisador e professor da Faculdade de Farmácia e com ele teve duas filhas: Beatriz Adeodato de Alves de Souza, professora da Escola de Dança da UFBA, mestre e doutoranda em Dança pela UFBA, e Mariana Adeodato Alves de Souza, mestre em Comunicação da Ciência pela Universidade Nova de Lisboa.