Glaucia Villas Bôas

Por Lígia Dabul (UFF) e
Sabrina Parracho Sant’Anna (UFRRJ)

Ao longo de sua trajetória como docente e pesquisadora, Glaucia Kruse Villas Bôas (Recife, 1947) vem se notabilizando por contribuições científicas e institucionais nas áreas do pensamento social brasileiro, da sociologia da cultura e da sociologia da arte. É pesquisadora do CNPq e professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde esteve vinculada desde 1980 ao Departamento de Sociologia, aposentando-se em 2018. Atualmente integra o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, colabora com o Programa em Artes, Cultura e Linguagens da Universidade Federal de Juiz de Fora, desenvolve pesquisas e efetua orientações em Teoria Sociológica e Sociologia da Arte e da Cultura.

Glaucia Villas Bôas iniciou sua graduação em ciências sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ em 1966, sendo desligada em 1968 por sua atuação contra a ditadura militar. Concluiu sua graduação na Universidade Federal Fluminense em 1971. Iniciou o doutorado em 1975 na Universidade Erlangen-Nueremberg orientada por Hanns-Albert Steger, desenvolvendo então intenso interesse e pesquisa sobre diversos aspectos da sociologia alemã. Junto com o estudo da obra de Weber e outros autores, formula questões inovadoras a respeito do pensamento social brasileiro e da própria presença da sociologia alemã na sociologia brasileira. Estudos feitos nessa época estão registrados em artigos e nos livros Mudança provocada. Passado e futuro no pensamento sociológico brasileiro (2006) e A recepção da sociologia alemã no Brasil (2006).

Voltando da Alemanha em 1980, insere-se no IFCS da UFRJ como professora colaboradora e, conduzida por Maria Isaura Pereira de Queiroz, participa do Grupo de Estudos da Cultura Brasileira da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS). Nesse grupo, apresenta seu primeiro artigo, publicado na Alemanha, “Cultura Brasileira: subcultura européia e/ou mera noção ideológica?”, e participa de rede de cientistas sociais que atuam vivamente nas universidades, na formação de pós-graduações e novas gerações de pesquisadores.

Glaucia Villas Bôas concluiu o doutorado em 1992 na Universidade de São Paulo (USP), orientada por Maria Isaura Pereira de Queiroz, em pesquisa sobre publicações em ciências sociais e outras áreas, que a levou a constatar a incidência de concepções de tempo que marcaram muito fortemente as ciências sociais brasileiras no período de 1945-1964. Sua tese foi publicada com algumas alterações em 2008 no livro A vocação das Ciências sociais (1945-1964). Um estudo de sua produção em livro. Na USP aproxima-se de diversos colegas e professores. O contato com Gabriel Cohn, por exemplo, a estimulou a produzir o texto “O tempo da Casa Grande”, que viria a publicar como artigo na revista Dados em 1988, e que trata dos valores incluídos na produção do conhecimento sociológico, tema que visitaria em outros momentos. Foi também na USP que fez sua pesquisa de pós-doutorado sobre a recepção de Karl Mannheim no Brasil.

Ao lado dos outros interesses, linhas de pesquisa e de publicações que já tinha há mais tempo, Glaucia Villas Bôas volta-se nos anos 2000 também para o estudo sociológico da arte. Esse interesse se realiza em pesquisas sobre as transformações no campo da arte do Rio de Janeiro que viabilizaram o projeto concretista, e se expressa em cursos, orientações, filmes e publicações. E também, associado a isso, em diversas iniciativas que concorreram para o fortalecimento e institucionalização da sociologia da arte no Brasil e das suas ligações com outros lugares. Três livros que organizou recentemente consistem, sobretudo, no resultado de um processo longo de interlocução que estabeleceu com seus orientadores, seus colegas e seus alunos.

Do livro Um vermelho não é um vermelho: estudos sociológicos sobre as artes visuais, onde Glaucia Villas Bôas reúne artigos de pesquisadores que orientou em diversos momentos e situações, teremos um quadro interessante e vasto de desdobramentos de suas proposições e perguntas sobre o pensamento social brasileiro, sobre a arte na vida social, sobre o concretismo, a trajetória de Mario Pedrosa e outros temas que pesquisou e sobre os quais publicou em muitas situações. Vemos também aí, nas pesquisas e nos escritos de seus alunos, formas de fazer pesquisa que expressam bem a familiaridade que construiu com o trabalho com arquivos durante a pesquisa para a sua tese de doutorado, estimulada por Maria Isaura Pereira de Queiroz. Nesse livro encontramos um artigo da diretora Nina Galanternick que bem retrata os interesses de Glaucia na produção fílmica na pesquisa sociológica sobre a arte, que levaram à realização de dois filmes baseados em suas pesquisas: Almir Mavignier. Memórias Concretas (2006) e Formas de Afeto. Um filme sobre Mario Pedrosa (2010).

Em 2016 publica Georg Simmel. Arte e vida. Ensaios sobre estética sociológica, livro organizado com Berthold Oelze. Atado a antigas indagações que acompanharam sua formação, e correspondendo também ao que formula em torno de objetos que investigou, sobre os quais escreveu e que foram tema de trabalhos que orientou, como o concretismo carioca, esse livro é um exemplo de sua constante tentativa de aproximar “assuntos”, “temas”, de suas pesquisas, com pressupostos, noções ou conceitos de uma tradição sociológica alemã.

No livro que organizou com Alain Quemin, Arte e Vida Social. Pesquisas recentes no Brasil e na França (com versão online e volumes em português e em francês), também publicado em 2016, vamos encontrar um vasto quadro de resultados de investigações sobre arte de pesquisadores brasileiros e franceses, o que expressa bem o lugar de Glaucia Villas Bôas na conexão de um número muito grande de pesquisadores e de reflexão sobre a sociologia da arte praticada no Brasil. Sua participação na criação da Todas as Artes. Revista Luso-Brasileira de Artes e Cultura em 2018, marcou a atuação na rede Todas as Artes | Todos os Nomes de pesquisadores voltados para o estudo da arte como vida social. Divulgando para além da academia o conhecimento sociológico, Glaucia teve importante papel tanto na já mencionada difusão de suas pesquisas em linguagem fílmica, quanto na atuação em cursos de extensão e na criação da Plataforma Mario Pedrosa, para digitalização e consolidação de pesquisas sobre o autor.

Glaucia Villas Bôas investiu na reflexão sobre temas ligados ao seu engajamento na universidade. Sobre a formação do cientista social, currículo do curso de graduação e evasão escolar, desenvolveu com colegas do IFCS diversos projetos de pesquisa voltados para questão que a acompanhou por muito tempo, a das formas de exclusão dentro da universidade. Um conjunto grande de artigos foi escrito em torno desse problema. E sua atividade de ensino, diretamente, por conta da interlocução com alunos, resultou em trabalhos, que foram depois publicados como artigos.

Glaucia Villas Bôas atuou intensamente, junto com os colegas da universidade, para a fundação do Laboratório de Pesquisa Social (LPS) e do curso de pós-graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ na década de 1980. Mais tarde, em 2009, dentro dos projetos de expansão universitária, teve profícua atuação na criação do curso de Licenciatura Noturna da UFRJ. Seu investimento na formação de sociólogos e pesquisadores se faz notar pela orientação de 60 bolsistas de Iniciação Científica e 42 orientações de pós-graduação em mestrado e doutorado. Seus orientandos levaram à frente projetos que se inseriram em importantes redes de pesquisa do país, desenvolvendo investigações sobre o pensamento social brasileiro; sobre a obra de Mario Pedrosa; sobre instituições museais; sobre a autoria em coletivos de artistas; sobre a consagração de jovens artistas; sobre a crítica cinematográfica; sobre a recepção do público de cinema; sobre a música em Arto Lindsey; sobre o mercado de arte e inúmeros outros temas que não caberiam no limitado espaço deste texto.

Do ponto de vista institucional, a atuação de Glaucia Villas Bôas é também digna de menção. Em 1986, criou o NUSC – Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura da UFRJ, que coordena até os dias atuais. Também na UFRJ, Glaucia foi chefe do departamento de Sociologia (2002-2004), coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, coordenadora do LPS (1997), vice-diretora (2008-2009) e diretora de graduação (2010-2011) do IFCS. Foi membro da diretoria da ANPOCS (2006-2008), diretora adjunta da Sociedade Brasileira de Sociologia (1999) e presidente XIV Congresso da SBS (2007-2009). Em 2011, participou da fundação da Revista Sociologia e Antropologia do PPGSA/UFRJ, da qual foi a primeira editora responsável e na qual permaneceu atuando até 2014.

Sugestões de obras da autora:

Villas Bôas, Glaucia K.; Pucu, I. (Org.) . Mario Pedrosa Atual. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Instituto Odeon, 2019. v. 1. 542p .

Villas Bôas, Glaucia K.; Oelze, Berthold . Georg Simmel. Arte e vida. Ensaios sobre estética sociológica. São Paulo: Hucitec, 2016. v. 1. 221p .

Villas Bôas, Glaucia K.; Quemin, Alain . Arte e Vida Social. Pesquisas recentes no Brasil e na França. 2016.

Villas Bôas, Glaucia K. Um vermelho não é um vermelho. Estudos sociológicos sobre as artes visuais. Rio de Janeiro: 7Letras, 2016.

Villas Bôas, Glaucia K. A Vocação das Ciências Sociais. Um estudo de sua produção em livro 1945-1966. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007.

Villas Bôas, Glaucia K. Mudança provocada. Passado e futuro no pensamento sociológico brasileiro. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2006.

Villas Bôas, Glaucia K. A Recepção da sociologia Alemã no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.

Almir Mavignier, Memórias Concretas. Nina Galantenik (dir.), Glaucia Villas Bôas (coord. de pesquisa), Brasil, 26, 2006
https://ninagalanternick.com/Almir-Mavignier-Memorias-Concretas-1

Formas de afeto. Um filme sobre Mario Pedrosa. Nina Galantenik (dir.), Glaucia Villas Bôas (coord. de pesquisa), Brasil, 33’, 2010
https://ninagalanternick.com/Formas-do-Afeto-um-filme-sobre-Mario-Pedrosa

Sobre a autora:

Villas Bôas, Glaucia K. Entrevista com Glaucia Villas Bôas. (depoimento, 2020). 100 de UFRJ. https://100anos.ufrj.br/ufrj_tl_video/100-anos-da-ufrj-entrevista-com-glaucia-villas-boas/

Villas Bôas, Glaucia K. Gláucia Kruse Villas Bôas (depoimento, 2009). Rio de Janeiro, CPDOC/Fundação Getulio Vargas (FGV), (3h 34min). https://cpdoc.fgv.br/cientistassociais/glauciavillasboas