Elisabeth Souza-Lobo

Por Rosana Sorbille (IFSP/UFSCar)

Elisabeth Escobar de Souza Lobo nasceu em Porto Alegre em 30 de agosto de 1943.

Aos dezoito anos, em março de 1962, ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Cursou Letras Neolatinas: “lembro-me menos das aulas do que do movimento estudantil”, escreveu. Graduada, seguiu para Paris e, entre os efervescentes e feministas anos de 1967 a 1969, compartilhou os seminários de Lucien Goldmann – “Sociologie de la Philosophie et de la Littérature” – , de Anouar Abdel-Malek – “Sociologie des mouvements sociaux” – e de Louis Althusser – “Philosophie spontanée des savants”.

Novamente em Porto Alegre, no Brasil da ditadura militar de 1969-1970, lecionou literatura no ensino médio. Não pôde permanecer e, impedida de voltar à França para a realização do projeto de tese, partiu para o Chile onde vinculou-se, como docente de metodologia das ciências sociais, à Escola de Estudos Econômicos Latino-Americanos (ESCOLATINA) até o golpe de estado de 1973. Desterrada pela segunda vez, com trinta anos e, como registrou – com a “experiência da derrota” – integrou a Universidade de Paris VIII – Vincennes lecionando nos departamentos de Sociologia e de Ciências Políticas e defendendo, sob a orientação do filósofo Jean-Marie Vincent, a tese de doutorado em Sociologia – Crise de domination et dictature militaire au Brésil. O ciclo formativo iniciado por meio das obras-pensamento de György Lukács, Lucien Goldmann e Jean-Paul Sartre encontrava-se com Antonio Gramsci. Retornou ao Brasil, definitivamente, em 1979.

Nos anos 80’, trabalhando nas universidades paulistas – Universidade Metodista de Piracicaba (1980), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Marília (1981-1982), Universidade de São Paulo (1982-1991) e Universidade Estadual de Campinas (1989-1991) –, Elisabeth Souza Lobo projetou uma agenda de pesquisa feminista, marxista e heterodoxa pensando, concretamente, o feminino e o masculino, a divisão sexual do trabalho, nas relações e nos movimentos sociais sob a ótica da dominação e da resistência

Emma Goldman: a vida como revolução foi, em 1983, seu primeiro livro. Tinha paixão por biografias – em especial por história de vida de mulheres – dimensão integrada às pesquisas que realizou, sobre a condição operária. Em 1986 apresentou, bem-humorada, a edição brasileira de O sexo do trabalho: “se trabalhador não é igual trabalhadora, a classe operária tem dois sexos. Ou terá ela o sexo dos anjos?”. Resultado de um trabalho coletivo, iniciado no X Congresso Mundial de Sociologia (México – 1982) e organizado pelo Ateliê Produção-Reprodução (APRE-CNRS), a publicação reuniu dezoito pesquisadoras e pesquisadores no desafio de “pensar a classe operária no feminino”.

Na Universidade de São Paulo, a experiência profissional mais longeva, atuou no departamento de Ciências Sociais e, a partir de 1987, no departamento de Sociologia. Tornou-se responsável pelas disciplinas “Introdução à Sociologia do Trabalho” (graduação) e “Trabalho, Dominação e Resistência” (pós-graduação). Instaurou, desenvolveu e orientou, de modo cooperativo, coletivo, interinstitucional e transnacional, (n)a linha de pesquisa: “Divisão sexual do trabalho na indústria: padrões tecnológicos e modalidades de gestão da força de trabalho/práticas operárias”. Posteriormente, na Universidade Estadual de Campinas, como professora visitante na pós-graduação do departamento de História, implantou as disciplinas “Historiografia dos Movimentos Sociais” e “Gênero, História e Sociedade: Estudos Brasileiros” e participou do processo de criação do Centro de Estudos de Gênero Pagu. No segundo semestre de 1989, esteve como professora visitante no departamento de Ciência Política da Université du Québec à Montréal (UQAM).

Inquietou-se com as provocações do historiador Michael Hall, ocasionadas na escrita de Emma Goldman: a vida como revolução e publicou, em 1989, na Revista Brasileira de História o artigo Emma Goldman – revolução e desencanto: do público ao privado. Tendo, como fonte primária, a correspondência da anarquista Emma Goldman – selecionada a partir da pesquisa realizada no Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis (IISG-Amsterdã) –, buscou, para além de sua constante preocupação com os elementos objetivos e subjetivos das transformações individuais e coletivas, analisar as “paixões de uma mulher, ao mesmo tempo pária e militante”.

Para além dos muros do trabalho acadêmico, em ação política permanente, Elisabeth Souza-Lobo, publicou nos jornais – Em Tempo, Mulherio, Leia e O Estado de São Paulo – e nas revistas Desvios, Teoria e Debate e Tempo e Presença. Compôs conselhos editoriais, entrevistou, resenhou e polemizou. Participou de organizações de mulheres e encontros feministas, congressos científicos, associações e conselhos profissionais, sindicatos e partidos. Manteve-se irredutível e persuasiva na crítica à desigualdade social e às hierarquias e assimetrias de toda e qualquer interação.

Nascida no Rio Grande do Sul, esta mulher, feminista, professora e socióloga do trabalho, deixou-nos na Paraíba. Lá estava para um, sempre renovado, ciclo de trabalho: na universidade, nos sindicatos e com as mulheres trabalhadoras rurais. Em 15 de março de 1991, com Maria da Penha Nascimento Silva – a Penha – fundadora do Movimento de Mulheres do Brejo (MMB) e da Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora (CN-CUT) –, foi vítima de um acidente automobilístico. Tinham 47 e 42 anos respectivamente.

Seguiram-se ao abrupto, em muitas partes do país e nos mais diversos grupos sociais, manifestações de condolências e atos em memória. Nesses encontros de perda, inúmeras mensagens sobre Beth, sobre seu ser-fazer. Amigas, amigos, colegas, estudantes, companheiras e companheiros expressaram admiração e saudade. A Comissão Estadual das Mulheres do Partido dos Trabalhadores fez circular Cartas a Beth. As cartas, muitas com fotografias e ilustradas com estrelas, traziam trechos de seus trabalhos e reafirmavam a presença-ausente “que com seu brilho contagiava existências”. Na primavera deste mesmo ano, em São Bernardo do Campo – um dos centros das pesquisas realizadas por Elisabeth Souza-Lobo –, o I Congresso do Partido dos Trabalhadores instituiu a participação de 30% de mulheres em todas as suas instâncias e definiu 10% do orçamento partidário para a formação política. Na conquista deste grão foi ela, também, lembrada. A presença da mulher na política, como princípio, e a formação política permanente foram, cotidianamente, suas lutas.

No mesmo ano, por iniciativa de Ana Maria Goldani, Helena Hirata, Leila Blass, Marco Aurélio Garcia, Maria Berenice Delgado, Maria Célia Paoli e Vera Soares, editou-se A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência um conjunto de dezenove artigos escritos e apresentados – por Elisabeth Souza-Lobo – entre os anos de 1982 a 1991 e, quatro anos depois, sob a coordenação de Hélène Le Doaré, uma seleção de A classe operária tem dois sexos foi publicada na França: Domination et résistance: travail et quotidienneté.

No ano da posse da primeira presidente eleita no país – a economista Dilma Vana Rousseff – reeditou se, versão ampliada de A classe operária tem dois sexos. O livro foi lançado em meio ao Seminário “Trabalho, Dominação e Resistência – Revisitando a obra de Beth Lobo – 20 anos depois”. De certo e de curioso modo, duas mulheres de uma mesma geração, cujas trajetórias de vida foram marcadas pela “experiência da derrota”, encontraram-se: vivas.

Sugestões de obras da autora

“A questão da mulher na reprodução da força de trabalho”, Perspectivas, São Paulo: UNESP, 1981, n. 4, pp. 43-47. Disponível em https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/1710/1391.

LOBO, Elisabeth Souza; PAOLI, Maria Célia. “Notas sobre o movimento no feminino”, Desvios, São Paulo, n. 1, 1982, pp. 44-55.

“Experiências de mulheres. Destinos de gênero”. Tempo Social, São Paulo: Departamento de Sociologia-USP, vol. 1, n. 1, 1989, pp. 169-82. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/ts/v1n1/0103-2070-ts-01-01-0169.pdf.

“Emma Goldman – Revolução e Desencanto: do Público ao Privado”, Revista Brasileira de História (A Mulher no Espaço Público). Apresentação e organização de Maria Stella Martins Bresciani. Capa de Jorge Cassol. São Paulo: Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH); Marco Zero, vol. 9, n. 18, 1989, pp. 29-41. Disponível em https://anpuh.org.br/index.php/revistas-anpuh/rbh.

“Caminhos da Sociologia no Brasil: modos de vida e experiência”, Tempo Social (Dossiê Modos de Vida), São Paulo: Departamento de Sociologia-USP, vol. 4, n 1-2, 1992, pp. 7-15. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/ts/v4n1-2/0103-2070-ts-04-02-0007.pdf.