Ana Maria Chiarotti de Almeida

Por Franciele Rodrigues (UEL)

De professora de bonecas a educadora de outros docentes

Em um dia chuvoso de 2011, lembro de chegar ao Centro de Ciências Humanas e Letras (CLCH) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) para a primeira aula da disciplina “Introdução à Sociologia” e deparar-me com Ana Maria Chiarotti de Almeida, professora com quem iniciaria minha jornada pelas Ciências Sociais. De imediato, um alerta do qual nunca mais esquecerei: “cabe ao sociólogo olhar por trás dos bastidores” referindo-se a Peter Berger, um dos muitos autores que conheci através dela. A viagem, repleta de descobertas para a minha turma de calouros foi instigante, pois contávamos com o apoio da docente que além de saberes, sempre nos recebia com sorrisos generosos.

Ana Maria Chiarotti de Almeida nasceu em Jacarezinho, região conhecida como Norte Pioneiro do estado do Paraná, em 15 de maio de 1951. É descendente de imigrantes italianos atraídos pela política de imigração adotada pelo Brasil nas lavouras de café, e de mineiros e paulistas. Ambos esperançosos na expansão das fronteiras agrícolas, no final do século XIX, atravessaram o rio Paranapanema e se estabeleceram como fazendeiros em uma pequena cidade, hoje denominada Ribeirão Claro.

Seu pai, Oscar Chiarotti desempenhou diversas funções ao longo da vida. Foi vendedor de produtos do sítio pertencente à família, depois engraxate, barbeiro, gerente de loja de utensílios domésticos, e após um período fora dos bancos escolares, cursou Contabilidade. Em 1944, casou-se com Mathilde de Souza Néia, costureira, exímia em aumentar o tempo de vida de roupas de crianças. Em 1945, os dois já eram pais de Ana Cleide Chiarotti, que anos mais tarde, também se tornou professora do departamento de Ciências Sociais da UEL.

Para as irmãs, à docência foi escolhida pelos pais já na infância: “quando nasci, em 1951, meus pais escreveram em meu álbum que eu seria professora. Minha irmã já tinha sete anos e definiram o mesmo para seu futuro”, ela conta. A condição de serem mulheres em uma sociedade patriarcal, estruturada em assimetrias de gênero, demandou ainda mais esforços e atenção a fim de concluir tal empreitada. Ana Maria relata que seu pai sempre lhe dizia: “minha filha tudo é mais difícil para a mulher, se por um acaso você não casar ou o casamento não der certo, ou mesmo se surgir outra dificuldade, você terá a melhor formação e uma profissão digna como professora”. No anseio de oportunizar a qualificação, sua família tomou decisões: enquanto Ana Cleide permaneceu em Jacarezinho morando com os avós e estudando em um colégio de freiras, Ana Maria acompanhou os pais na vinda para Mandaguaçu, município localizado nos arredores de Maringá.

Suas lembranças também ensinam ao contarem que naquele momento, meados da década de 1960, a cidade não dispunha de energia elétrica, água encanada entre outros serviços de saneamento básico. A maioria das casas era de madeira, construídas sob condições precárias e chão de terra vermelha. Mais adiante, as irmãs trocaram de lugar, Ana Cleide, após concluir os estudos em Escola Normal (instituição voltada à formação de professores para o ensino primário) foi para Mandaguaçu e começou a lecionar na única escola estadual da cidade, já Ana Maria, então com 11 anos, retornou a Jacarezinho, ocupando o lugar deixado no internato.

As primeiras alunas de Ana Maria foram suas bonecas e, em seguida, “Zefa”, ajudante de sua mãe, que também foi companheira de brincadeiras e protetora da menina. Zefa começou a trajetória escolar já adulta e acompanhada dos palpites de Ana Maria sobre suas tarefas. Após passagem por Catanduva, interior de São Paulo, Ana Maria ingressou no Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo Pilotto, centro voltado à formação docente em Curitiba. Também na capital paranaense, iniciou a sua vida profissional (para além dos muros de sua casa) após ser aprovada em concurso da Prefeitura Municipal. A experiência pioneira ocorreu em escola situada na Vila Nossa Senhora da Luz.

O território marcado por múltiplas desigualdades sociais, era cenário de violências diversas como os assassinatos de jovens negros e pobres. Nele, além de sujar as mãos de giz, Ana Maria cooperou em partos de emergência, enterros, na sobrevivência de alunos abandonados pelos familiares até a condução a instâncias responsáveis. Tais vivências foram definidoras para o ingresso nas Ciências Sociais. A graduação foi realizada na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde destacam-se influências das professoras Marília Carvalho da área de Antropologia e Lia Zanotta Machado de Sociologia do Desenvolvimento.

Outra memória do início de sua trajetória acadêmica, em 1970, versa sobre a leitura de autores como Charles Wright Mills, Pierre Bourdieu, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Octavio Ianni, Caio Prado Júnior, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, por meio de grupo de estudo complementares, visto que as discussões em sala de aula eram cerceadas pela ditadura civil-militar em curso no Brasil.

Em 1975, iniciou o mestrado em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com pesquisa sobre a participação de operários de origem rural na área urbana de Londrina. Já o doutorado em Sociologia foi realizado na Universidade de São Paulo (USP), a partir de 1988, sob a orientação da professora Maria Helena Oliva Augusto, gerando a tese intitulada: “A morada do Vale: sociabilidade e representações”. Retornando ao Paraná, construiu outras experiências profissionais como docente de curso técnico no Teatro Guaíra.

Também atuou como pesquisadora na Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL), onde conduziu estudos sobre os conjuntos habitacionais de Curitiba. Tornou-se, ainda, a primeira socióloga rural da antiga Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná (ACARPA), atual Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Mas, o desejo de estar em sala de aula lhe abraçou novamente. Ana Maria Chiarotti de Almeida integrou o corpo docente do departamento de Ciências Sociais da UEL em 1978, permanecendo até 2011.

Por mais de 30 anos, lecionou em diversos cursos de graduação e pós-graduação. Seus estudos focalizados em Teoria Sociológica, Sociologia Rural, e discussões sobre populações rurais e urbanas, diversidade cultural, identidades, discurso, memória, patrimônio cultural, lhe acompanharam. Ao mesmo tempo, participou de projetos, a exemplo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia (LENPES), e coordenou a primeira turma de bolsistas do curso de Ciências Sociais da UEL, vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) em 2011.

Ademais, compôs as equipes de trabalho do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (CEPHA) e do Inventário e Proteção do Acervo Cultural de Londrina (IPAC). Em parceria com outros pesquisadores, publicou obras como “Memória e Cotidiano do Bosque” (2007) e “Diálogos com o patrimônio cultural e a memória coletiva: ações extensionistas” (2010). Ana Maria seguiu o conselho de Oscar e Mathilde, seus pais, e se tornouprofessora-pesquisadora. Mais do que isso: colaborou para a formação de muitos outros professores e professoras (como eu), e por meio deles, de suas práticas em sala, ela afirma: “eu consigo me enxergar”. Afinal: “o educador se eterniza em cada ser que educa”, palavras de Paulo Freire que ela veste sem precisar de quaisquer ajustes.

Sugestões de obras da autora:

ALMEIDA, A. M. C. Participação Social dos Operários de Origem Rural em Área Urbana – Londrina/PR. 1. ed. Curitiba: Grafipar, 1981. v. 1000. 118p.

ALMEIDA, A. M. C. A Morada do Vale: sociabilidade e representações (um estudo sobre as famílias pioneiras do Heimtal). 1. ed. Londrina/PR: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 1997. v. 200. 312p.

ALMEIDA, A. M. C.; CESÁRIO, A. C. C. ; SANTOS, P. C. Ribeirão Claro: patrimônio e memória coletiva. 1. ed. Curitiba/PR: Imprensa Oficial do Paraná, 2000. v. 500. 139p.

ALMEIDA, A. M. C.; ADUM, S. M. S. L. Memória e Cotidiano do Bosque. Londrina: EDUEL, 2007. 72p.

ALMEIDA, A. M. C.; CESÁRIO, A. C. C. (Org.). Diálogos com o patrimônio cultural e a memória coletiva: ações extensionistas. Londrina: SETI, 2010. 288p.