Alba Maria Pinho de Carvalho

Por Leila M. Passos de S. Bezerra (MARGENS-UECE)

Alba Maria Pinho de Carvalho nasceu em São Luís do Maranhão, em 1950. Todavia, considera-se uma “maranhense-cearense”. Afinal, elegeu Fortaleza a sua “terra para viver” faz trinta e oito anos. Autodeclara-se mulher negra, nordestina, professora e pesquisadora contemporânea e engajada na tessitura crítica, plural, transdisciplinar e decolonial do “fazer científico” entrelaçado ao “fazer político”. Graduou-se em Serviço Social pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em 1973, lócus de início de sua trajetória docente, em 1974. Cursou mestrado em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio (1979-82), a vivenciar o contexto de ocidentalização da sociedade civil brasileira (COUTINHO, 1989), em tensões e lutas pela redemocratização do país. Em agosto de 1984 intensificou seu deslocamento para o campo sociológico, ao ingressar como professora efetiva do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Nessa instituição, fez o doutorado em Sociologia (1995-99) e seu pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC), em Portugal (2008-09). Ao longo desses quarenta e oito anos de docência universitária, em suas interlocuções no âmbito das Ciências Sociais, tem atuado nos seguintes temas: Mundialização do Capital em Tempos de Ajuste; Transformações na América Latina; Emancipação Social no Século XXI; Brasil Contemporâneo; Democracia, Estado e Políticas Públicas; Política de Assistência Social; Avaliação de Políticas Públicas; Epistemologia e Metodologia das Ciências Sociais; Estudos pós-coloniais, decoloniais e afrodiaspóricos.

Alba Carvalho iniciou sua trajetória docente aos vinte e quatro anos, quando, em 1974, foi indicada, pela professora Maria Ozanira da Silva e Silva, para assumir sua cátedra de Teoria do Serviço Social, no curso de Serviço Social da UFMA, no momento em que iria se afastar para a pós-graduação nos EUA. Reconhecida por sua dedicação e competência acadêmicas, Alba Carvalho passou dez anos na docência em Serviço Social (UFMA). No decurso da graduação e do mestrado aprofundou-se no pensamento marxiano e marxista, em especial do filósofo Antônio Gramsci. Protagonizou, junto com outras destacáveis profissionais da época, o Movimento de Renovação do Serviço Social brasileiro e sua versão latino-americana (o Movimento de Reconceituação), a atuar na Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS).

Inquieta, crítica e instigante, essa intelectual negra buscou sempre dialogar com outros campos do saber – sociologia, filosofia, economia política – e no mestrado foi orientada pela socióloga marxista Miriam Limoeiro Cardoso. Tal orientação constituiu um marco na sua trajetória no campo dos estudos sociológicos. Escreveu, à luz do pensamento gramsciano, sua dissertação, publicada em livro intitulado “A questão da transformação e o trabalho social: uma análise gramsciana” (1983), referência emblemática na afirmação da perspectiva histórico-crítica do Serviço Social Brasileiro. As escolhas teórico-metodológicas e políticas da jovem Professora Alba Carvalho – encarnadas em suas práticas de ensino, pesquisa e extensão – lhes trouxeram implicações perversas durante a fase de repressão vivenciadas na UFMA, em especial, pelo “Serviço Social Crítico”, por parte da reitoria da época. As perseguições políticas sofridas e extensivas a seus familiares, então servidores da UFMA, e sua aproximação com a Sociologia durante o mestrado (PUC-RJ) somaram-se a motivos pessoais que conduziram-na a prestar concurso público para a UFC. Assim, inicia um outro caminho acadêmico, no âmbito das Ciências Sociais. Desde então, há precisamente 38 anos, vive seu oficio de ser professora, sua grande paixão de vida, fazendo-a permanecer na ativa. Ao longo dessas quase quatro décadas, contribuiu para a formação de muitas gerações de cientistas sociais.

Mergulhou na Sociologia Política e, na condição de professora permanente, integra o quadro docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UFC) e continua a contribuir com os campos do Serviço Social e das Políticas Públicas. Sua “reconversão do olhar” lhe oportunizou produzir instigantes reflexões sociológicas acerca da questão social, das configurações do Estado e das políticas públicas. Alba Carvalho atuou/atua na formação profissional, na realização de pesquisas sociais e na produção científica no campo das políticas públicas e de sua avaliação, em uma perspectiva contra hegemônica. Merece destaque seu protagonismo na construção do Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP-UFC), onde atua como professora permanente, exercendo, hoje, sua coordenação, colaborando com formação profissional qualificada de gestores, planejadores, avaliadores e/ou executores de políticas públicas.

Ao longo de sua vida acadêmica, tem realizado relevantes estudos e produções teóricas sobre a Política de Assistência Social, encarnando militância ímpar na defesa dos direitos sociais e socioassistenciais. Nos anos de 2015 a 2019, participou da equipe coordenada pela Professora Maria Ozanira da Silva e Silva, responsável pela pesquisa avaliativa acerca da implementação do SUAS em âmbitos nacional, regional (Norte e Nordeste) e estadual (Ceará).

No atravessar de fronteiras epistemológicas, tem contribuído com a Sociologia brasileira, em especial, com a Sociologia Política, ao provocar e antecipar debates críticos sobre a mundialização do capital, o Brasil contemporâneo e as reconfigurações do Estado em tempos de ajuste estrutural, desde meados dos anos 1990. Em sua tese de doutoramento, intitulada “Brasil Real em questão: um resgate do olhar crítico de cientistas sociais” (2000), Alba Carvalho empreendeu uma densa tessitura teórico-empírica, a trazer para o diálogo crítico renomados intelectuais brasileiros (sociólogos e cientistas políticos), interlocutores (as) de sua pesquisa sociológica. Especificamente nos anos 2000, aprofundou seus estudos sobre o capitalismo na contemporaneidade, com enfoque nas particularidades do modelo brasileiro de inserção no sistema do capital, a circunscrever o modelo rentista neo-extrativista. Ao ampliar sua abrangência analítica, vem potencializando estudos e pesquisas sobre relações, tensões e conflitos entre Estado e Sociedade Civil na América Latina, em parceria com o prof. Dr. Lúcio Oliver Costilla, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), e uma rede de pesquisadores (as) latino-americanos (as). No esteio de suas interlocuções pluriversais, gestou e fortaleceu a Rede Universitária de Pesquisadores sobre América Latina (RUPAL), bem como integra o Grupo de Pesquisas Margens, Culturas e Epistemologias Dissidentes (GEPE MARGENS, 2020), a coordenar a linha de pesquisa Capitalismo, Estado Integral e Cultura Democrática.

Seu percurso no pós-doutoramento (2009), sob a supervisão do prof. Dr. Boaventura de Souza Santos, no CES/UC, em Portugal, significou um encontro antecipado e continuado com os estudos pós-coloniais, de(s)coloniais e com as Epistemologias do Sul, a adensar suas construções epistemológicas e metodológicas críticas, pluriversais, transdisciplinares e dissidentes no ofício do fazer e do ensinar/aprender ciências sociais. Alba Carvalho enfrentou o desafio da crítica contundente ao paradigma da racionalidade ocidental moderna/colonial, capitalista, patriarcal e racista, a avançar nos estudos das epistemologias dissidentes e nas interseccionalidades das estruturas de dominação que pautam os debates sociológicos do século XXI.

Adotou uma racionalidade aberta e crítica às interpelações do real e às interlocuções entre racionalismos críticos, a expressar seu modo peculiar de artesania intelectual na Sociologia Política. Seu pluralismo teórico-metodológico em compromisso ético-político com as lutas por emancipações sociais e em consonância com a racionalidade crítica/autocrítica têm inspirado gerações de estudantes, de graduação e de pós-graduação, nesses quarenta e três anos de sua trajetória enquanto educadora e pesquisadora incansável, densa, solidária, sensível, sempre em sintonia com seu tempo histórico.

Sugestões de obras da autora:

CARVALHO, Alba Maria Pinho de; GUERRA, Eliana Costa; AMÉRICO, Carlos. Hegemonía y Crisis de Hegemonía en la relación Estado/Sociedad Civil: modos analíticos de pensar el poder. In: OLIVER COSTILA, Lúcio (Org.). “Problemas Teóricos del Estado Integral en América Latina. Fuerzas en tensión y crisis”. México: Facultad de Ciencias Politicas y Sociales (FCPyS), Ed. Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), 2021. ISBN: 978-607-30-5281-8.

CARVALHO, Alba M. Pinho de; SILVEIRA, I. M. M.; BEZERRA, Leila Maria Passos de Souza; SILVA, L. A.; SALES, P. R. S. A implementação do SUAS no estado do Ceará: tendências e perspectivas nas dinâmicas da História. In: Maria Ozanira Silva e Silva. (Org.). O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Norte e Nordeste. São Paulo: Cortez, 2019, p. 211-294.

CARVALHO, Alba M. Pinho de; SILVA, Maria Ozanira da Silva e; CARNEIRO, Annova. M. F.; ARAUJO, Cleonice. C.; VIEIRA, Margarete. C.; NASCIMENTO, M. A. C.; PEREIRA, M. E. F. D.; ARAÚJO, M. S. S.; SOUSA, S. M. P. S.; LIMA, V. F. S. A. A política de assistência social na conjuntura brasileira de desconstrução de direitos e de desmonte da seguridade social 2016-2018 e de desmonte. In: Maria Ozanira Silva e Silva. (Org.). O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Norte e Nordeste. São Paulo: Cortez, 2019, p. 295-342.

CARVALHO, Alba M. Pinho de; NASCIMENTO, M. A. C.; PEREIRA, M. E. F. D.; CARNEIRO, Annova. M. F.; ARAUJO, M. S. S.; SALES, P. R. S.; ARAUJO, Cleonice Correia; BEZERRA, Leila Maria Passos de S.; SOUSA, M. do S. S. de; CRUZ, S. H. R.; PONTES, R. N.; LIMA, V. F. S. A. IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS NOS ESTADOS DO MARANHÃO, PARÁ E CEARÁ: representação e confronto da realidade nas regiões. In: RAICHELIS, Raquel; SILVA, Maria Ozanira da Silva; COUTO, Berenice Rojas; YASBEK, Maria Carmelita (Org.). O Sistema Único de Assistência Social do Brasil: disputas e resistências em movimento. São Paulo: Cortez, 2019, p. 43-156.

CARVALHO, Alba M. Pinho de; GUERRA, E. C.; MILANEZ, B. Rentismo-neoextrativismo: a inserção dependente do Brasil nos percursos do capitalismo mundializado (1990-2017). In: Raquel Rigotto; Ada Cristina P. Aguiar; Lívia Ribeiro. (Org.). Tramas Emancipatórias: uma experiência contra-hegemônica no contexto universitário. Fortaleza: Edições UFC, 2018, p. 19-57.

CARVALHO, Alba M. Pinho de; RODRIGUES JR, Natan dos Santos. Brasil no século XXI: Governo Temer, ofensiva neoliberal e superexploração do trabalho. In: Antônia Rozimar Machado e Rocha; Aurilene Alves de França; Clarice Zientarski; Liliane maria Pimenta Rodrigues; Janio Nunes Vidal. (Org.). Capitalismo Contemporâneo e Educação Brasileira. Aspectos controversos e atuais. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2018, p. 167-182.

CARVALHO, Alba M. Pinho de; GUERRA, E. C. Brasil Contemporáneo: la ecuación Estado/Sociedad en distintos momentos históricos de la vida brasileña (1980-2015). In: Lucio Oliver. (Org.). Transformaciones recientes del Estado Integral en América Latina. Críticas y aproximaciones desde la sociología política de Antonio Gramsci. Ciudad de Mexico: UNAM-Ed. La biblioteca, 2016, p. 153-184.

CARVALHO, Alba Maria Pinho de. A Questão da Transformação e o Trabalho Social, São Paulo: Cortez, 1983.