Minerando dados: uma – primeira – abordagem cientométrica da Revista Brasileira de Sociologia

Publicado em 17 de maio de 2021

Por Antonio Brasil Jr.  (PPGSA/UFRJ),
Francisco Kerche (PPGSA/UFRJ) e
Lucas Carvalho (PPGS/UFF)

Neste post, Antonio Brasil Jr., Francisco Kerche (PPGSA/UFRJ) e Lucas Carvalho (PPGS/UFF) debatem sobre a aplicação da cientometria, bibliometria e ciência da informação às Ciências Sociais.

A utilização de técnicas oriundas da cientometria, da bibliometria e da ciência da informação tem se ampliado nas ciências sociais brasileiras. Vide, por exemplo, a organização da mesa redonda no encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2018, dedicada ao gênero “balanço bibliográfico”, os seminários organizados pela Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB), em 2019, e depois publicados na própria revista, e uma série de publicações recentes em que o emprego dessas técnicas está sendo debatido em suas potencialidades e limites (BRASIL JR.; CARVALHO, 2020b; CODATO; MADEIRA; BITTENCOURT, 2020; “Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB”, 2020). Na última edição da própria Revista Brasileira de Sociologia (RBS), tivemos a oportunidade de discutir como a cientometria pode ser utilizada para problematizar as estabelecidas métricas de fator de impacto, ajudando inclusive a questionar certo senso comum acerca da sociologia brasileira (BRASIL JR.; CARVALHO, 2020a).

Embora a utilização das técnicas cientométricas pelas ciências sociais não seja algo novo – como demonstram certas discussões da sociologia da ciência (LEYDESDORFF, 2001a) -, ela tem fomentado novas questões e fornecido mapeamentos de especializações disciplinares para além dos tradicionais – embora necessários – balanços bibliográficos. No “caos de disciplinas” (ABBOTT, 2001) que hoje constituiu as ciências e suas especializações, as técnicas cientométricas podem servir como pontos de “observação”, identificando certos padrões e tendências e, sobretudo, permitindo novas leituras sobre as práticas científicas que pareciam isoladas em seus laboratórios e grupos de pesquisa. É possível, portanto, pensar em uma sociologia da ciência que vá além dos fatores estritamente institucionais – fundamentais, é claro, – e se debruce na reconstituição de redes cognitivas e semânticas, muitas vezes sequer notadas pelos próprios agentes que delas participam (BRASIL JR.; CARVALHO, 2020b; LEYDESDORFF, 2001a, 2001b).

A viabilidade de novas perspectivas trazidas pelo diálogo com a cientometria se deve ao fato de que os produtos das ações rotineiras dos cientistas – sobretudo suas publicações acadêmicas – são codificadas em metadados e armazenadas em grandes plataformas públicas e privadas de indexação científica. Contudo, nem sempre esses verdadeiros “rastros digitais” (VENTURINI; MUNK; JACOMY, 2018) estão estruturados e padronizados de modo a facilitar a análise. Há uma ampla e importante gama de produções científicas – revistas, projetos, papers – e extracientíficas – trabalhos de assessoria, artigos em jornais e revistas, material de divulgação científica – que não tem qualquer tipo padronizado de indexação. Esse é um desafio importantíssimo para aqueles que têm investido nessas abordagens, afinal, muitos dos circuitos de publicação científica não estão cobertos por bases indexadoras, o que não tira de modo algum a relevância desse material para a compreensão de determinada dinâmica científica, em especial quando se trata de países periféricos como o Brasil (BEIGEL; SALATINO, 2015).

Embora seja o periódico da principal associação de sociologia no Brasil, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a RBS ainda está em processo para garantir seu acesso nas principais bases indexadoras de periódicos, como SciELO e Scopus, por exemplo. Como dito acima, isso não retira a importância da revista para o campo; no entanto, dificulta – e muito – análises cientométricas como a que realizaremos em seguida, que buscam qualificar o lugar dela no conjunto da produção científica especializada. Esse post é dedicado justamente à exposição de como extraímos e sistematizamos os dados bibliométricos da RBS. Exploração incipiente que certamente pode ser melhorada, mas que é, sobretudo, o primeiro passo para a compreensão das discussões sociológicas no Brasil das quais a RBS é sem dúvida parte fundamental.

Estruturando dados desestruturados

O primeiro passo para esta pesquisa foi justamente o de extrair e estruturar os dados da RBS. Para tanto, realizamos uma coleta algo “artesanal” com o auxílio de técnicas bibliométricas, de web scrapping e de text mining. Baixamos, ao todo, 183 documentos em formato .pdf, entre artigos, apresentação de dossiês e resenhas disponíveis no acervo online da revista – o que, de modo algum, esgota todo o universo de textos publicados na RBS, mas certamente constitui uma amostra bastante razoável de sua coleção. Destes, 39 apresentaram problemas na conversão para o formato .txt, requisito para a análises de textos nos softwares computacionais que utilizamos. Nosso conjunto, portanto, ficou reduzido a 144 documentos distribuídos da seguinte maneira ao longo dos anos:

Uma das vantagens em se utilizar técnicas de text mining é a possibilidade de extrair dados específicos de um grande volume de documentos a partir de poucos comandos. Foi desse modo que conseguimos coletar três tipos de metadados : autores citados nas referências bibliográficas, resumos e palavras-chave. No entanto, problemas de decodificação e de padronização no formato do texto, ou simplesmente a ausência dessas informações, dificultaram a extração desses itens em todos os documentos. Por essa razão, o número de documentos em que foi possível coletar as informações variou conforme cada grupo de metadado. Extraímos autores citados de 125 documentos, resumos de 144 documentos e palavras-chave de 138 documentos. A tabela abaixo apresenta o número total de extrações e a média de extrações por documento para cada grupo de metadado.

Levando-se em conta as dificuldades relatadas acima, o total de extrações e documentos analisados não parece insignificante e pode ajudar a fornecer um inédito panorama cientométrico da RBS, ainda que não controlemos os vieses de seleção. Na medida em que tivemos que criar os nossos próprios instrumentos de extração e análise dos metadados da coleção da RBS, reputamos que vale a pena seguir na pesquisa mesmo que um número não desprezível de documentos tenha sido descartado por razões não totalmente claras para nós – como já mencionado, em alguns casos .pdf não pôde ser baixado, em outros a conversão para .txt não foi possível, e ainda houve situações em que algumas informações não estavam disponíveis.

Análise de citações

A análise de citações é um programa de pesquisa há muito assentado no campo dos estudos cientométricos. Ela está tanto a serviço da criação de rankings e dos cálculos das famigeradas métricas de impacto quanto do mapeamento, por exemplo, das referências bibliográficas que organizam cognitivamente a formação de disciplinas, especializações, domínios temáticos e comunicações inter ou transdisciplinares. Na interface entre sociologia e cientometria, Loet Leydesdorff vem desenvolvendo algumas tentativas de se criar uma teoria das citações, destacando sua multidimensionalidade (LEYDESDORFF; AMSTERDAMSKA, 1990). Nosso interesse aqui recai muito mais no rastreio de como os(as) autores(as) citados funcionam como vetores de integração e diferenciação cognitiva no interior da coleção da RBS do que em sua hierarquização em uma possível ordem de relevância. As relações e a detecção de conexões significativas entre conjuntos de autores(as) é nosso foco analítico.

Antes de passarmos à análise da rede de citações e os procedimentos metodológicos empregados em sua modelagem, vale passar uma rápida vista nos autores com 10 citações ou mais na coleção da RBS e o seu comportamento ao longo tempo. No gráfico abaixo, observa-se a presença significativa de Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Max Weber, para mencionar somente os três primeiros – Bourdieu sendo, de longe, o autor mais citado, o que não é exatamente uma surpresa, em virtude de sua posição central na sociologia em termos globais (SANTORO, 2008). Entre os autores brasileiros, Florestan Fernandes e Maria da Gloria Gohn receberam cada um 12 citações. Os demais são autores centrais da teoria social contemporânea europeia e norte-americana, como Jürgen Habermas, Charles Tilly, Axel Honneth, dentre outros, além de Émile Durkheim.

Para os autores mais citados, conseguimos também criar uma análise temporal entre os últimos anos de publicação. Percebe-se que a curva para as citações de Michel Foucault aumenta enormemente em 2018, com um pico de 16 citações neste ano de publicação da revista – vale lembrar que em 2018 foram publicados dois temas principais para a revista: “O sistema de pós-graduação brasileiro e a expansão da área de sociologia” e “A Sociologia Brasileira e suas interfaces contemporâneas”. Nas publicações destes dois dossiês, as citações aos trabalhos de Michel Foucault aumentaram enormemente, junto com as citações aos de Pierre Bourdieu, similarmente ao crescimento também expressivo das menções aos textos de Charles Tilly. Bourdieu já havia sido citado com frequência em todos os anos, sendo o único autor, junto com Max Weber, que foi referenciado em todos os anos da amostragem. O autor alemão, por sua vez, encontra seu pico em 2019, quando os temas versavam sobre “crime organizado” e “burocracia, cotidiano e valores”. Porém, o pico de citações de Weber não foi tão expressivo como de Bourdieu ou de Foucault, mesmo sendo mais constante que este.

O primeiro passo para a criação de uma análise das relações de citação – ou, mais precisamente, uma análise de cocitação –, foi a modelagem de uma rede bipartida, isto é, um tipo de rede que liga um elemento de um tipo a outro elemento de tipo distinto. No nosso caso, artigos (em verde) e referências a autores(as) (em vermelho). A modelagem de uma rede de cocitação – em que as relações se dão entre dois autores citados em um mesmo documento; quanto mais dois nomes aparecem citados juntos, maior o peso de suas relações – implica a projeção de uma rede bipartida em uma rede de 1-modo, ou seja, com apenas um tipo de elemento (“Bipartite network projection”, 2020). Precisamos, portanto, projetar as relações que se dão entre artigo e nome citado para uma rede de relações apenas entre nomes citados.

Esta projeção aumenta enormemente o número de relações, uma vez que temos 2.032 nomes diferentes citados que criam entre si quase 40 mil relações (39.578), num grau médio (número de conexões média) de 38,9. Como sabemos, essas relações se distribuem desigualmente, posto que poucos nomes concentram muitas relações – Bourdieu (699 conexões), Weber (404), Habermas (353), Foucault (323) etc. – ao passo que muitos nomes possuem poucas relações. Este tipo de distribuição, conforme a figura a seguir – baseada na distribuição de grau (número de conexões) encontrada na rede –, exprime de modo aproximado, se representa graficamente como uma “lei de potência” [power law] e está na base da emergência de verdadeiros hubs, propriedade comum em redes de diferentes naturezas (BARABASI, 2014).

A análise de cocitação revela a existência de 24 comunidades. De acordo com o tipo de distribuição encontrado, poucas comunidades concentram a maior parte dos nomes: as 8 mais volumosas reúnem mais da metade dos autores e das autoras citadas. Cada comunidade está representada por uma cor distinta e, quase sempre, estão nucleadas por um ou dois nomes mais centrais em seu interior. Além disso, podemos conjecturar que esta distribuição de nomes de autores(as) citados(as) em distintas comunidades revela igualmente a distribuição das diferentes temáticas/especializações no interior da coleção da RBS. Por esse motivo, faremos rápida referência a algumas das principais comunidades encontradas por meio dos nomes nucleares que a compõem.

Em função de seu número de conexões e de citações, Pierre Bourdieu se encontra bem no centro na imagem – o tamanho dos nomes representa a quantidade de citações. A aplicação de um algoritmo de detecção de comunidades (BLONDEL et al., 2008) possibilita a partição da rede em diferentes grupos. Parece óbvio que o nome de Bourdieu (e dos demais nomes muito citados) pertence a diferentes comunidades de citação; porém, é digno de nota que sua cor (azul claro) remete a uma comunidade em que predominam autores ligados à análise sociológica da cultura, como Howard Becker, Nathalie Heinich, Raymonde Moulin, Stuart Hall, Renato Ortiz e outros(as). Esse pertencimento de Bourdieu a esse grupo sugere que há maior densidade em suas conexões no interior deste grupo do que fora dele. Outro grupo digno de nota é que gravita em torno de Michel Foucault (em vermelho, ao centro), ao qual se agrupam nomes como Norbert Elias, Didier Fassin, Robert Castel, Francisco de Oliveira, Gabriel Feltran e Alba Zaluar. Em torno de Max Weber, em lilás, encontramos um grupo heterogêneo e entrelaçado a outros grupos, em que também estão Georg Simmel, Richard Sennet e Arjun Appadurai. Em laranja, ao redor de Michael Burawoy, temos, além de Karl Marx, Talcott Parsons e Niklas Luhmann – estes dois muito acoplados entre si. Chama ainda atenção o papel mediador que dois “clássicos” da sociologia brasileira – Florestan Fernandes e Gilberto Freyre – fazem entre o centro da rede, em que predomina a teoria social dos países centrais, e o cluster em amarelo, dedicado à sociologia das relações raciais. Por fim, vale destacar um grupo de nomes com relações internas muito densas, em azul, em que estão nomes muito citados como Jürgen Habermas, Charles Tilly, Manuel Castells, Maria da Gloria Gohn e Alain Touraine (todos com mais de 10 citações), que poderíamos associar ao campo da sociologia política e/ou teoria dos movimentos sociais; e também vale mencionar um grupo também muito coeso (mas de nomes pouco citados, em termos relativos) em verde escuro, dedicado à sociologia do gênero, e que faz sua ligação ao centro da rede justamente via Judith Butler.

Aliás, se quisermos ordenar o tamanho dos nomes apenas pelo valor estrutural da intermediação [betweenness centrality], vemos a importância de nomes como Florestan Fernandes (terceiro maior betweenness), Gilberto Freyre e Judith Butler, vetores relevantes de integração cognitiva do conjunto ao lado dos autores mais citados destacados em gráfico anterior.

Citações em contexto: experimentos de pesquisa

Utilizando os três autores mais citados como base, foi feita uma análise comparativa, por meio de recursos de processamento de linguagem natural (PLN), de todos os artigos em português. Para fazer isso, a linguagem foi padronizada e eliminamos as palavras neutras, como também foram desambiguados alguns termos mais genéricos. Filtramos ainda apenas os artigos em português que citassem apenas Bourdieu, apenas Foucault ou apenas Weber. Mesmo existindo textos que citam mais de um dos autores paralelamente, o baixo número acabaria sendo redundante para a amostragem, ou pequeno demais para uma análise separada.

No gráfico, o eixo x se refere aos termos mais relevantes nos artigos que citam Foucault e em um segundo os termos nos artigos que citam Weber. No eixo y, os termos presentes nos artigos que citam Pierre Bourdieu. A porcentagem é referente à proporção que determinado termo aparece em relação a todas as palavras disponíveis nos artigos. A linha pontilhada diagonal que cruza os dois gráficos representa a mesma porcentagem para ambos os conjuntos de artigos, ou seja, que o termo foi utilizado na mesma proporção para um quanto para outro. Podemos observar como os autores são selecionados com relação às temáticas trabalhadas. Em primeiro lugar, observando a dupla Bourdieu-Foucault, percebe-se que termos como “economia”, “elite”, “cargo” e “família” são mais presentes em quem cita Pierre Bourdieu, demonstrando que o autor é mais utilizado para discutir a temática da desigualdade e sua inscrição das relações sociais. Já, por outro lado, “empresa”, “droga”, “bio[logia/-política/-poder…]” e “cuidado” se encontram mais presentes nos textos que referenciam Foucault, aparentemente indicando dois principais eixos do controle pelo corpo, como também do empreendedorismo de si e do outro, temáticas fundamentais do autor. Um outro fato que merece atenção é a proximidade do termo “campo” no centro da distribuição, o que demonstra que o termo é apropriado tanto pelos artigos que citam Foucault ou Bourdieu, mesmo sendo oriundo do segundo autor. Isso pode indicar um processo de descolamento do termo para um uso mais corriqueiro das ciências sociais.

Quando observamos a relação de Bourdieu com Weber, os termos são diferentes, e o distanciamento de “família” é ainda maior do que em contraste com Foucault, o que demonstra que o termo é menos trabalhado utilizando o autor alemão. Já os termos “civil”, “capitalista” e “capitalismo” se encontram mais presentes em Weber. Observamos como comparativamente análises estruturais sobre o capitalismo estariam presentes no segundo autor, enquanto a configuração de campos mais particulares como da estrutura familiar ou do campo artístico seriam mais presentes em Bourdieu.

Ao comparar Foucault com Weber, encontramos alguns termos ainda mais destacados que no gráfico anterior. As palavras “cinema”, “arte”, “corpo”, “vida”, “mental”, dentre outras são presentes com bastante impacto para Foucault, já “cidade”, “espaço”, “contemporânea”, “riqueza”, “acesso”, dentre outras são majoritariamente utilizadas para citações weberianas. Isso demonstra uma diferença de tipos de análise: enquanto Foucault foi mais utilizado para análises sobre temáticas culturais ou sobre a modelagem das subjetividades do mundo contemporâneo, Weber foi utilizado para discutir acesso à riqueza, e questões estruturais do capitalismo. Algo marcante é a presença do termo “agente” próximo à linha de intersecção, frequente nos textos dos dois conjuntos. Outro aspecto é o termo “campo”, mais presente nos artigos que citam Foucault, que pode demonstrar tanto o campo no sentido metodológico de “trabalho de campo”, como da forma mobilizada conceitualmente por Bourdieu.

A presença de Bourdieu

Assim como outros periódicos das ciências sociais brasileiras, os artigos publicados na RBS fazem uso extenso de conceitos bourdieusianos. É o que se pode depreender a partir da frequência de termos associados a Pierre Bourdieu presente no corpo dos artigos que compreendem o nosso conjunto. Fazendo uso de técnicas de text mining, extraímos 310 sentenças (ou seja, aquelas iniciadas e finalizadas por ponto final) em que o termo “Bourdieu” aparece e retiramos as stopwords, palavras muito frequentes, como pronomes e artigos, que impediriam uma visualização mais limpa dos dados. O resultado de tal procedimento nos permite identificar o contexto mais imediato de citação à obra do Bourdieu – nesse caso, uma sentença – e, dessa forma, capturar as categorias e os conceitos mais acionados pelos autores da RBS. A figura a seguir mostra os termos mais frequentes presentes nas sentenças extraídas.

Chama a atenção a presença de conceitos que caros à sociologia de Bourdieu, como “campo”, “habitus”, “práticas” e “capital”. Outro grupo de termos sugere temas de pesquisa a que eventualmente os conceitos citados se referem, a exemplo de “arte”, “estado”, “políticas” e “valores”.

Chama a atenção a presença de conceitos que caros à sociologia de Bourdieu, como “campo”, “habitus”, “práticas” e “capital”. Outro grupo de termos sugere temas de pesquisa a que eventualmente os conceitos citados se referem, a exemplo de “arte”, “estado”, “políticas” e “valores”.

Para nos assegurarmos dos sentidos dos conceitos mobilizados, restringimos ainda mais o foco de nossa análise e contabilizamos as duplas de termos mais frequentes nas sentenças extraídas (“bigramas”). No gráfico abaixo é possível observar como o conceito de “campo” está relacionado, nos artigos da RBS, a “científico” e “burocrático”. Os autores da RBS também mobilizam os conceitos de “poder simbólico”, “espaço social” e “mundo social”, estes dois últimos possivelmente com sentidos próximos ao conceito de campo. Por fim, destaca-se a presença de bigramas relacionados a temas da sociologia da educação, como “ensino superior”, e metodologia científica, como “bourdieu chamboredon”.

Os dados preliminares que levantamos a partir dos artigos da RBS sugerem semelhanças no padrão de citação da obra de Bourdieu, tal como demonstram artigos recentes dedicados a investigar a recepção da obra bourdiesiana no Brasil. Nota-se, portanto, o recurso frequente a conceitos e categorias mais expressivos – e também mais convencionais – do cabedal teórico bourdieusiano, como “campo”, “poder simbólico” e “habitus” (CAMPOS; SZWAKO, 2020; ROCHA; PETERS, 2020).

Leitura distante como perspectiva metodológica na sociologia da ciência

A chamada “revolução informacional”, que vem alterando as próprias bases da organização da vida social, está igualmente impactando as formas de se pesquisar a ciência. Se a existência de grandes bancos de dados relativos à produção científica não é algo exatamente novo, certamente não tem precedentes a recente multiplicação de bases indexadoras e das formas de acesso a informações relativas a diferentes dimensões do sistema científico. Trata-se, a rigor, de uma verdadeira transformação nas infraestruturas de pesquisa que está afetando o conjunto dos vários campos científicos (ESPOSITO, 2019), o que não poderia obviamente deixar de afetar as formas pelas quais a sociologia da ciência, a bibliometria, a cientometria, para citar algumas disciplinas/especializações, se debruçam sobre os seus materiais empíricos. Já está em curso inclusive uma proposta de estabelecer uma “ciência da ciência” [science of science], uma abordagem transdisciplinar dedicada ao escrutínio dos mecanismos científicos fundamentais por meio da exploração de grandes bancos de dados (FORTUNATO et al., 2018).

A possibilidade de tratar em conjunto um volume de dados até pouco tempo atrás impensável exige uma reflexão teórico-metodológica sobre os nossos instrumentos de análise. Não basta apenas adaptar os recursos cognitivos já disponíveis para fazer frente ao chamado big data. Novos instrumentos e, no limite, novos objetos de conhecimento precisam ser gerados a fim de tornar a complexidade intrínseca aos dados manejável e inteligível.

As novas potencialidades vêm sempre acompanhadas, é claro, de limites. Toda observação, mesmo aquela que se propõe a observar à maior distância possível, é constituída por meio de distinções e, portanto, de pontos cegos (LEYDESDORFF, 2006). Como dissemos, ver a complexidade do conjunto implica simplificar e codificar ao máximo os seus elementos: a rigor, estamos construindo dados em cima de dados sobre dados (os metadados), isto é, estamos mobilizados dados de segunda e terceira ordem. Perder informação é condição para gerar nova e, potencialmente, surpreendente informação. Além disso, como todo o debate sobre cobertura de bases indexadoras vem revelando, há vieses incontornáveis na composição das coleções das principais bases – no caso da Web of Science, por exemplo, são sabidos os seus limites na recuperação de artigos e revistas no campo das ciências humanas e sociais. Logo, não se trata de retirar a importância de outras formas de observação da ciência, mais centradas em campos específicos ou na leitura atenta de documentos; antes, o crucial é, desde uma visão de longe, tensionar os protocolos habituais de análise do sistema científico por meio da proposição de novos ângulos de observação e sobretudo de novas perguntas. Ou, na notação própria da teoria de sistemas, “irritar” as formas assentadas de (auto-)observação da ciência.

Referências Bibliográficas

ABBOTT, A. Chaos of Disciplines. 1a edição ed. Chicago: University of Chicago Press, 2001.

BARABASI, A. Linked: How Everything Is Connected to Everything Else and What It Means for Business, Science, and Everyday Life. [s.l.] Hachette UK, 2014.

BEIGEL, F.; SALATINO, M. Circuitos segmentados de consagración académica: las revistas de Ciencias Sociales y Humanas en la Argentina. Información, cultura y sociedad, n. 32, p. 11–36, 1 jun. 2015.

Bipartite network projection. , 29 maio 2020. (Nota técnica).

BLONDEL, V. D. et al. Fast unfolding of communities in large networks. Journal of Statistical Mechanics: Theory and Experiment, v. 2008, n. 10, p. P10008, out. 2008.

BRASIL JR., A.; CARVALHO, L. O impacto da sociologia: cultura de citações e modelos científicos. Revista Brasileira de Sociologia – RBS, v. 8, n. 20, p. 248–269, 12 out. 2020a.

BRASIL JR., A.; CARVALHO, L. Por dentro das Ciências Humanas: um mapeamento semântico da área via base SciELO-Brasil (2002-2019). Revista de Humanidades Digitales, v. 5, n. 0, p. 149–183, 25 nov. 2020b.

CAMPOS, L. A.; SZWAKO, J. Biblioteca Bourdieusiana ou como as ciências sociais brasileiras vêm se apropriando de Pierre Bourdieu (1999-201. v. 91, p. 1–25, 2020.

CODATO, A.; MADEIRA, R.; BITTENCOURT, M. Political Science in Latin America: A Scientometric Analysis. Bras. Political Sci. Rev., v. 14, n. 3, 30 nov. 2020.

ESPOSITO, E. The Impact of Big Data. In: MAEGAARD, B. et al. (Eds.). . Stay Tuned to the Future. Impact of Research Infrastructures for Social Sciences and Humanities. [s.l: s.n.]. v. 128p. 27–31.

FORTUNATO, S. et al. Science of science. Science, v. 359, n. 6379, p. eaao0185, 2018.

Graph, bipartite – Encyclopedia of Mathematics. Disponível em: <https://encyclopediaofmath.org/index.php?title=Graph,_bipartite>. Acesso em: 16 abr. 2021.

LEYDESDORFF, L. A Sociological Theory of Communication: The Self-organization of the Knowledge-based Society. [s.l.] Universal-Publishers, 2001b.

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LEYDESDORFF, L.; AMSTERDAMSKA, O. Dimensions of Citation Analysis. Science, Technology, & Human Values, v. 15, n. 3, p. 305–335, 1990.

Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, v. 91, n. 1, 2020.

ROCHA, M. E. DA M.; PETERS, G. Facetas de um Bourdieu tupiniquim: momentos de sua recepção no Brasi. Revista BIB, v. 91, p. 1–30, 2020.

SANTORO, M. Putting Bourdieu in the Global Field. Introduction to the Symposium. Sociologica, n. 2/2008, 2008.

VENTURINI, T.; MUNK, A.; JACOMY, M. Ator-rede versus Análise de Redes versus Redes Digitais: falamos das mesmas redes? Galáxia (São Paulo), n. 38, p. 5–27, ago. 2018.

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