CP22 – Sociologia da Religião

Coordenação

André R. de Souza (UFSCar)
Paulo G. de Souza Junior (PPGSP/IUPERJ)

Nas últimas décadas, contrariando parte das análises sociológicas, temos assistido ao progressivo aumento da presença da dimensão religiosa na arena pública. A religião, supostamente marcada para morrer com o avanço da modernidade, reaparece bem viva e figura como fator importante em diversos campos da vida contemporânea, da cultura – talvez seu lugar por excelência – à política, passando pelo debate ético-científico. Tal cenário tem fomentado um intenso debate a respeito da permeabilidade entre as fronteiras da religião e da política, bem como as consequências disso para a democracia, para a laicidade do Estado e para a própria teoria social, que tem entre seus pilares a secularização.

Diante de tal cenário, o enfoque central deste Comitê de Pesquisa (CP) é abordar as transformações na esfera religiosa nas últimas décadas, bem como seu impacto nas demais esferas sociais, pensando, principalmente a forma ativa com que algumas lideranças religiosas têm se posicionado publicamente frente ao que a literatura sociológica compreende como “demandas por reconhecimento”, além da capacidade das agências religiosas traduzir discursivamente o mal-estar atual vivido pela sociedade brasileira, de modo a organizar, tanto dispositivos normativos quanto consensos públicos, capazes, muitas das vezes, de mobilizar capital político.

Neste sentido, as pesquisas abrigadas neste CP, mesmo que de forma matizada, a mudança estrutural na esfera pública que possibilitou não apenas a publicização religiosa, mas que também conferiu relevo ao discurso conservador, mais amplo, como argumento legítimo nos assuntos públicos, notadamente, na arena política nacional.

De forma geral, entende-se a “onda conservadora” com contornos religiosos, mais como uma tônica do que como uma exceção na história democrática nacional. Em que as erupções das pautas morais se apresentam muito mais ligadas a uma reação diante dos processos de democratização vivida nos últimos anos no Brasil, por meio de lutas e demandas mais plurais como: políticas de gênero, igualdade civil da população LGBT, movimentos antirracistas entre outras. Tais embates são invariavelmente concentradas no reconhecimento de direitos e dA alteridade.

Longe de se restringir às fronteiras dos países ao sul do Equador, a interseção entre religião e política tem fomentado um intenso debate nos países europeus e nos Estados Unidos, já há algum tempo. Naqueles países, o debate sobre o lugar da religião nas sociedades modernas quase sempre girou em torno da disputa dos vários sentidos do paradigma da secularização, sobre cuja trajetória cumpre fazer aqui uma breve digressão. A despeito de sua polissemia (Cf. Dobbelaere, 1981; Martin, 1978, Asad, 2003 entre outros), o conceito de secularização firmou-se como um eixo explicativo quase incontornável nas pesquisas em sociologia da religião até os anos recentes. De Max Weber – que, segundo alguns, preferiu o termo desencantamento ao tratar da evasão dos motivos mágico-religiosos como enredo para as histórias humanas, enquanto reservava o conceito de secularização para a perda da influência pública da religião (cf. Pierucci, 1998 e 2003) – a Peter Berger – que em seu Dossel Sagrado ([1966] 1985) acreditava na perda de plausibilidade da religião em meio à replicação e concorrência das estruturas que sustentavam essa plausibilidade –, a secularização se apresenta quase como um destino manifesto dos tempos modernos. Os matizes dessa fórmula povoaram a maioria das teses sobre a modernidade, sendo a secularização vista como condição sine qua non tanto para consolidar a modernidade nas sociedades avançadas quanto para arrancar da subalternidade os “povos intermediários”, que só se redimiriam de sua menoridade através do estabelecimento de um Estado laico baseado na razão.

Porém, no mundo não europeu, a persistência dos estados teocráticos no Oriente Médio (a Revolução Iraniana), a força dos movimentos políticos ligados ao catolicismo da libertação na América Latina (Revolução Sandinista, movimentos de resistência a Ditadura Militar no Brasil) e o movimento de Maioria Moral nos EUA soaram o sinal de alerta de que algo não andava bem com a teoria da secularização, ao menos em suas versões mais ortodoxas. Enquanto no Brasil, já nas décadas de 1960 e 70, os estudiosos faziam malabarismos para conciliar as teses desenvolvimentistas com o crescimento da visibilidade pública da religião (Souza, 1969; Camargo 1973; e Rolim, 1976) e nos EUA se falava de reestruturação da religião americana (Wuthnow, 1988), na Europa, de modo geral, ainda se cavalgava firme na trilha da teoria da secularização. Embora Bryan Wilson tenha ensaiado um movimento contrário já na década de 1970, com seu The Returnof the Sacred (1979), sua postura quanto à religião não parece dar margem à outra interpretação: “a religião tem pouca importância para o funcionamento da ordem social (…) o sistema social funciona sem a religião; uma grande parte das pessoas procura na religião somente um apoio ocasional, e talvez, nem mesmo isso” (Wilson, 1982: 64).

No entanto, os acontecimentos do final da década de 1980 e meados da de 90 transformaram de forma significativa a ordem mundial e sobremaneira a forma como imaginamos o mundo e o nosso lugar nele. O colapso do socialismo real, a concretização da União Europeia e o aumento assombroso da tecnologia permitiram maior velocidade da informação e com ela um fluxo de capitais e pessoas nunca experimentado em épocas anteriores. Se até bem pouco tempo a propagação dos chamados Novos Movimentos Religiosos na Europa era vista como mais um dos tantos “efeitos colaterais” da sociedade moderna, hoje o crescimento da população mulçumana e a multiplicação das comunidades cristãs carismáticas (católicas e protestantes) levam pesquisadores a desconfiarem que as coisas podem ser diferentes do que pensaram atéentão. Eventos como o caso Rushdie, no final da década de 1980 (1989), o aumento da massa de peregrinos que acorrem todos os anos a centros como Fátima, ou as grandes reuniões de jovens católicos em torno do papa a cada Jornada Mundial da Juventude, levaram a comunidade científica a relativizar as teses sobre a secularização.

A partir da década de 1990, ao invés de continuar compondo réquiens para a religião, os estudiosos tentaram reconsiderar as antigas teses. Não é sem razão que neste período surgiram estudos como os de José Casanova (1994) e Peter Beyer (1994), que reavaliaram as razões da persistência, retomada ou transformação – dependendo do ponto de vista teórico – do papel da religião na esfera pública.

Em resumo, embora possamos encontrar os primeiros indícios de uma crítica à teoria da secularização dentro da sociologia europeia ainda na década de 1970, como em Daniel Bell (1971 e 1977) ou no já citado Wilson (1979), é mesmo nos trabalhos surgidos a partir da década de 1990 que pesquisadores reformam o paradigma, sem, contudo, abandoná-lo por completo. Cabe ressaltar que tais estudos quase sempre atrelam a mudança no status da religião na sociedade contemporânea a processos externos ao campo religioso, como globalização (Pace, 1997), crise das identidades e dos discursos modernos (Hervieu-Léger, 1993 e 2005) ou superação da modernidade (Martelli, 1995).

Voltando ao Brasil, observamos que a discussão sobre a articulação entre religião e esfera pública, embora animada pelos debates teóricos europeus, segue um caminho próprio, principalmente no que diz respeito ao tipo de manifestação pública do religioso que temos em nossa sociedade. Se na Europa a maioria dos estudos centra suas preocupações no crescimento dos Novos Movimentos Religiosos (Beckford, 1986; Dawson, 1990 e 1994 e Hervieu-Léger, 1997; entre outros) bem como a relação entre Islã e a efetivação da União Europeia (Waardenburg, 1994;Keyman, 2007, entre outros), no Brasil, as preocupações dos pesquisadores estão mais ligadas à presença de religiosos, especialmente pastores pentecostais, nas câmaras estaduais, nas assembleias legistlativas estaduais e no Congresso Nacional (Pierucci, 1992; Freston, 1994; Machado, 2006), isto para não falar em um bom número de pesquisas que abordam a relação entre religião, gênero e sexualidade (Natividade e Gomes, 2006).

Dito isso, nosso ponto de convergência neste CP é buscar entender a nova lufada de publicização religiosa (Casanova, 2014), bem como suas diferenças dos períodos anteriores, que tinham o catolicismo como ator principal. Abrigaremos ainda estudos teóricos, pesquisas que abordem a interseção entre cultura, memória e religião, especialmente, os ligados as religiões de matriz africana, bem como os trabalhos que versem sobre novas modalidades religiosas.

Apoiadores

Brenda Maribel Carranza Dávila (PUC-Campinas)
Carlos Eduardo Pinto Procópio (IFSP)
Cecília Loreto Mariz (UERJ)
Célia da Graça Arribas (UFJF)
Cristina Maria Castro (UFMG)
Dario Paulo Barrera Rivera (UMESP)
Edin Sued Abumanssur (PUC-SP)
Fabrício Roberto da Costa Oliveira (UEMG)
Flávio Munhoz Sofiati (UFG)
José Pedro Simões (UFSC)
Marcelo Tavares Natividade (UFC)
Maria das Dores Campos Machado (UFRJ)
Maria Lúcia Bastos Alves (UFRN)
Orivaldo Pimentel Lopes Júnior (UFRN)
Rodrigo Toniol (UNICAMP)
Silvia Regina Alves Fernandes (UFRRJ)
Wania Amélia Belchior Mesquita (UENF)
Joanildo Albuquerque Burity (UFPE)

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